domingo, 18 de novembro de 2007

lembranças de um olhar monocromático

A gente nasce meio que por acaso. Num país que não escolhemos, numa família que tampouco. E a escolha do corpo que habitaremos também não nos pertence.

Papai e mamãe me amam, é tudo o que eu preciso até os seis anos. Então vem a pré-escola. O "prézinho". A tia Suzi tinha traços indígenas. Ela era linda. Um dia ela se inclinou demais para me mostrar algo no caderno. Ela estava sem sutiã, o que me permitiu ver seus seios, de relance. Me lembro exatamente dessa cena. E também me lembro de uma garota e de um gordo.

Ele era um menino terrível, só fazia bagunçar e brigar com os outros. Era gordo e preto. Ela era quase uma altista, acho que nunca disse uma palavra no ano inteiro. Extremamente tímida e extremamente branca. O garoto foi expulso da escolinha, por achar que arremessar uma pedra no crânio de outro menino era algo divertido. Quanto à garota, eu acreditava que por ser muito branca, ela era também muito pura. Foi a primeira menina que eu gostei.

Minha infância foi regada à muitos filmes e desenhos na televisão. Todos os heróis eram brancos. Com excessão de algumas comédias estreladas por atores negros. Bem, decerto os brancos são mais propensos a salvar o mundo e ficar com a mocinha no final, e os negros se dão melhor fazendo as pessoas rirem. Eu era uma criança tímida, e cresci acreditando nisso. Papai não gostava de pretos, e acho que não me considerava um. Mas, mesmo bem novo, eu tinha certeza de uma coisa: branco é que eu não era.

Mesmo com doze anos, as garotas me apavoravam. Pensava na Maria Joaquina chamando o Cirilo de "negrinho", com aquele ar de desprezo sem fim, e morria de medo de alguma das meninas da escola fazer o mesmo comigo. Céus, como era doloroso ver novelas sobre escravidão, ou filmes sobre a Klu Klux Klan! Ficava muito mal, achava que o mundo era só injustiça. Mas a visão que eu tinha dos negros era a de um bando de coitados. Por isso eu me sentia um sujeito inferior. Inferior a qualquer um de meus amiguinhos brancos. Eu achava que todos os brancos odiavam os negros, e que na primeira oportunidade eu seria humilhado por causa da minha cor. E é por isso que me lembro exatamente da primeira vez que fui almoçar na casa do meu primeiro amigo, o Fernando. Achava que ele morava numa mansão (afinal, ele era branco, ora bolas!), e que todos comiam à mesa de acordo com as regras de etiqueta. Cheguei lá quase petrificado de vergonha. Mas fiquei surpreso ao ver que era tudo meio bagunçado, como em casa, e que o Fernando e o irmão dele subiam nas cadeiras e arrotavam à mesa. Uau, eles eram como eu, mesmo sendo brancos!

Uma vez uma garota (ruiva) me disse que os pretos roubam e matam mais que os brancos. Ao ser questionada, advogou que era só olhar pras cadeias, perguntar para os parentes que já foram assaltados, assistir ao jornal. Eram quase todos pretos; os brancos marginais eram minoria. Percebendo que eu tinha ficado muito nervoso, ela tentou consertar: "mas não se ofende, tá, porque você não é preto, você é moreninho". Era o mesmo argumento dos caras que me contavam suas nojentas piadas racistas. Eu não precisava me ofender, pois, afinal, eu era "moreninho", não é mesmo?

Cara, como foi bom ver o Will Smith no Independency Day e no MIB, botando pra quebrar! Um negro salvando o mundo! Todo mundo gostava dele. Um herói. E eu vi os filmes do Spike Lee. Vi Malcom X. Denzel Washington discursando por 3 horas sobre Orgulho Negro realmente muda a cabeça de uma criança. E que ator formidável! Negro. Não me lembro qual foi a primeira vez que me senti confortável sendo negro, mas foi uma baita libertação. Podia enfim ver um filme e querer ser como aqueles caras. Não eram mais aqueles caucasianos fódões que dominavam o cinema, agora era a vez dos negrões fódões! E a publicidade. Foi tão revolucionário ver pretos em comerciais de tv, e em desfiles de moda. Quando eu via as mulheres dizendo "eu com um negão desses, einh!", pensava, exultante, que negros podem sim ser bonitos. Bem, talvez até eu pudesse ser um pouco bonitinho. E talvez algum dia alguma menina pudesse enfim gostar de mim.

Foi um duro aprendizado. Mas veja, hoje temos o Lázaro Ramos, exemplo para qualquer jovem negro de que é possível alcançar o sucesso, independente da cor da pele. Isso sem esquecer sua esposa gatíssima, Taís Araújo, que alem de linda é talentosíssima.

Talvez você, que me lê agora, ache tudo isso muito bobo. Mas para mim é algo muito sério. O conceito de igualdade não pode ser compreendido por alguém que tem uma baixa alta estima. Se sentir inferior é péssimo. Foi preciso que os negros conquistassem seu lugar ao sol para me mostrar que eu deveria me orgulhar da cor da minha pele. E só assim eu poderia tratar os outros como iguais, e não como superiores.

William Pereira, 22 anos. Negro. Feliz.
Obrigado MV Bill, Chris Rock, Ice Cube;
Obrigado Spike Lee, Denzel Washington, Lázaro Ramos;
Valeu Seu Jorge, John Singleton, Samuel L. Jackson.

Orgulho sempre!
Igualdade sempre!

sábado, 17 de novembro de 2007

os 100 melhores filmes da vida do will












































































































1 -O PODEROSO CHEFÃO
O melhor filme da história do cinema.
Máfia, Família, Honra, Marlon Brando, Al Pacino.
Uma aula de como ser um homem de verdade.

2 - CINEMA PARADISO
Qual é o espaço que o cinema pode ocupar na vida de uma pessoa?
Um filme italiano que trata de uma vida só possível através do cinema, e de um amor impossível na vida real.
Amor e Cinema.
E nenhum outro filme desse mundo me faz chorar como esse.

3 -TAXI DRIVER
Loucura. Imcompletude. Paranóia.
Martin Scorsese e Robert deNiro mergulhando no inferno interior de um sujeito desequilibrado.
E nunca antes um anjo exterminador foi tão sangrento.

4 - PULP FICTION
O filme mais tesão de todos!
Uma coleção inacreditável de personagens, proferindo os diálogos mais divertidos e absurdos de todos os tempos.
O gênio de Tarantino, em sua melhor forma.
Um filme que mudou tudo.

5 - NOIVO NEURÓTICO, NOIVA NERVOSA
Quando crescer, eu quero ser o Woody Allen.
Um intelectual com senso de humor, fã de cinema e conquistador de belas mulheres.
E como não se apaixonar pela musa alleniana, Diane Keaton, como Annie Hall?

6 - CIDADE DE DEUS
Nada substitui o prazer de se ouvir um palavrão em português, em alto e bom som!
Malandros, cocotas, otários, funkeiros, moradores de bem, polícia, Zé Pequeno e Mané Galinha.
Simplesmente ducaralho.

7 - ERA UMA VEZ NO OESTE
Charles bronson e sua pequena gaita.
Henry Fonda e sua maldade brutal.
Glaudia Cardinale e sua beleza áspera.
Uma obra prima irretocável.

8 - LARANJA MECÂNICA
Stanley Kubrick
Stanley Kubrick
Stanley Kubrick
Stanley Kubrick
Stanley Kubrick

9 - ROCKY HORROR SHOW
Os maus dias se acabaram, chegou a hora da mudança de tempo!
Liberte-se de todo o pudor, de toda a moral, se entregue aos prazeres da carne.
Um musical alucinado, cult absoluto, liderado pelo travesti do planeta transexual, galáxia transilvânia!!!
Deliciosamente despirocado.

10 - ENCONTROS E DESENCONTROS
Sozinhez.
O nascimento do amor entre duas pessoas tão diferentes, mas tão iguais.
Sofia Coppola com a sensibilidade a flor da pele, entregou um dos filmes mais belos do cinema.
Meu filme de fossa.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

linha(s) curta(s)

Pense num pobre diabo que gosta de uma menina. O moleque não agüenta mais os "nãos" da garota. Ele então, legitimamente, resolve comprar um 38, apontar pra cara dela e dizer: "me beija agora!". Ora, se eu tivesse na pele dela, não pensaria muito, tascaria logo um beijo na boca do maluco. E é o que ela faz. O namoro tem início, o cara enfim consegue o que tanto queria. Mas a guria o desprezará para o resto de seus dias.

Hoje eu peguei o busão pra ir no centro, fazer minha tatoo. Depois eu rumaria pra Unicamp, pra fazer a prova de latim. Filas gigantescas no terminal Ouro Verde. Nada de busão. Passa o 1.22 e eu corro pra pegá-lo. Sorte. Fico sabendo mais pra frente que está rolando paralização dos ônibus, em Campinas. A reinvidicação é legítima: os radares estão se multiplicando, e os ônibus estão sendo multados com muita frequência. O valor é descontado da folha de pagamento dos motoristas. Chegando na Av. Jõao Jorge, o busão pára. Caralho, deve ter uns 30 a 40 ônibus na avenida. Todos tem que descer. Há muita gente velha, que nem consegue andar direito. Já na calçada, vejo 3 mães, cada um com o seu bebê no colo, descendo de outro ônibus. Observando a paralização mais lá na frente, vejo muita mulher batendo boca com motoristas e cobradores. Os passageiros estão putos, e nem adianta o motô vir mostrar a matéria do Notícias Já, dizendo que o busão ia parar. Vou à pé pro estúdio. No caminho, penso que a população deveria ter mais solidariedade para com os outros trabalhadores. O egoísmo infelizmente impera em nossa sociedade. São poucas as pessoas que enxergam a sociedade como uma grande engrenagem, onde cada peça sofre quando outra é danificada. Mas, pôrra, mandar a galera descer do busão no meio do caminho??? Precisava agir daquele jeito? Dá pra se ter legitimidade assim? Não dava ao menos pra avisar o povo que tava rolando greve, e que a linha seria interrompida na metade? Aposto que muitos nem subiriam no ônibus.

Vejo mais tarde, no jornal, que a greve já teve fim. Ótimo pros motoristas e pros cobradores. Eles conseguiram o que tanto queriam. Mas nunca terão o apoio da maioria da população. Dela, os cobradores e os motoristas só conseguirão seu mais profundo desprezo.

enxerto

Perdi as contas de quantas vezes discuti ou falei do tropa de elite. O bacana é que pude, nesse meio tempo, me aprofundar em algumas questões que sempre me angustiaram, questões essas de carárer prático, ou seja, diferentes do que estou acostumado a estudar no curso de filosofia. :)

Mas vamos lá. Senti a necessidade de acrescentar ou reformular algumas considerações feitas no post anterior. Com relação ao heroísmo do cap. Nascimento, acho natural as pessoas sentirem isso. O público sente-se vingado por ele. Lançando mão mais uma vez do Godfather, em 1972 os EUA tinham acabado de sair do escândalo Watergate, e da guerra do Vietnã. A população não confiava mais em seus governantes. Daí aparece um filme sobre um grupo extremamente reacionário, que rouba e mata, mas possui condutas tradicionais imutáveis, e são fiéis a ela. Isso seduziu a América, era o que eles precisavam. Contudo, mesmo entendendo isso, continuo não achando o cap. Nascimento um herói. O filme não diz isso. A crise no personagem do Wagner Moura, que começa quando seu filho está pra nascer, é clara o bastante, mas parece que a galera não quer ver. O nascimento começa a entender que ter uma família é incompatível com aquele tipo de vida. Aliás, seu maior orgulho é não ter se corrompido, mas se isso fosse realmente verdade ele não teria motivo para se sentir tão mal no Bope. Acontece que, agindo de acordo com a farda preta, ele já se corrompeu, corrompeu sua humanidade. Deixa de ser humano e passa a agir como um animal. Não há nada de glorioso nisso.

Achei lamentável o artigo publicado pelo Luciano Huck na Folha de São Paulo. Em primeiro lugar, ele não é um cidadão comum. Em segundo, porque diabos ele só se preocupa com segurança pública quando é roubado? Enquanto o vidro blindado funciona, que se fodam os outros, né. E em terceiro lugar, não me parece certo se utilizar de um meio de informação pra fazer uma queixa pessoal. Tipo "vou desabafar". Porra, pior que isso só a resposta do Ferréz, que disse que foi bem feito o Hulk ter sido roubado, e que o bandido que o roubou tava era certo. O foda é que o cara conseguiu o que queria: apareceu na capa da Isto É (eu cago pra Isto É), sob o título "as celebridades não podem expressar o que sentem?", ou algo que o valha, numa reportagem que só tinha o intuito de socorrer o queridinho da Globo. É foda perceber que segurança pública só chama a atenção da mídia quando uma celebridade é assaltada, ou sequestrada. Daí me vem a Veja (reduto caquético de uma direita arcaica), com um policial do Bope na capa, e o título "Por quê Tropa de Elite é o maior sucesso do cinema brasileiro? Porque trata bandido como bandido, e o consumidor de droga como sócio do crime organizado". Ah, vá pra puta que o pariu!!!

Mudando um pouco de assunto, gostaria de reproduzir um trecho de uma resposta dada pelo Padilha, numa sabatina organizada pela Folha.
"A idéia era tentar descobrir como policiais vêem a violência. Existe um discurso padrão que explica os altos índices de violência no Brasil pela miséria. O problema é que esse discurso não resiste aos fatos. Se você pegar dados da ONU e comparar índices sociais com os de violência, vai ver que tem países e cidades com índices bem piores do que o Rio e os de violência, muito menores. Então, existe no Brasil algum processo, algum fenômeno, que converte miséria em violência em uma taxa alta. No filme Ônibus 174 a idéia era mostrar como o Sandro ficou tão violente assim. E a tese subjacente era que o Estado produziu aquilo - a polícia matou os amigos do Sandro na Candelária, e o Sandro foi jogado em uma Febem, onde crianças apanham e são tratadas como escória. Se você faz isso por muito tempo, as transforma em violentas. Isso é uma das coisas que converte miséria em violência. A outra é a polícia. O que leva a polícia a isso? Tropa de Elite diz isso: baixa remuneração, corporação corrompida por dentro... A contrapartida da honestidade na polícia brasileira gerou a violência, isso explica o discurso no Nascimento. Os filmes [Ônibus 174 e Tropa de Elite] têm o mesmo enfoque: quero explicar esse comportamento, não quero julgar. O processo que gera uma pessoa como o Sandro [Nascimento] é o mesmo que gera o capitão. Por isso eles têm o mesmo nome [Nascimento]."

Genial! Bingo! Agora as coisa fazem um pouco mais sentido pra mim. Aparentemente o sequestrador daquele ônibus, Sandro do Nascimento, e o capitão do Bope, Nascimento, estão em lados totalmente opostos. Mas na verdade eles são produtos do seu meio. Em situações diferentes, o sequestrador poderia se tornar capitão do bope, e o capitão se tornar sequestrador. (Vale a pena lembrar que não simpatizo com a idéia de que bandido é coitadinho. Mas dizer que todos deveriam morrer é tão idiota quanto. Sandro do Nascimento não era assassino, nunca havia matado ninguém. Era ladrão e viciado em crack. A natureza humana é algo complexo e sombrio, e há pessoas que sentem prazer em matar. Elas podem ser pobres ou ricas, não importa, faz parte de suas naturezas. Essas pessoas é que devem ser julgadas sem nenhuma piedade).

Puta merda, o que era pra ser um trechinho acabou ficando gigante! Mas tudo bem. Talvez eu retorne a esta questão em breve. Mas acho que por hora é isso.

domingo, 7 de outubro de 2007

o caveirão que carrego dentro de mim

Foi quanto tempo mesmo? Um mês? Nada, já tem uns dois meses que a cópia do Tropa de Elite vazou da mesa de edição, direto pros camelôs do país todo. Como cinéfilo devoto, sigo uma certa conduta, pra não banalizar minha fé. Uma delas é ver filmes no cinema. Isso porque eles foram feitos para serem vistos em tela grande, não em casa. Claro, alguns filmes são lançados diretamente no dvd, mas ir ao cinema tem uma importância salutar pra quem respeita o trabalho dos cineastas.

Tropa de Elite estreou ontem. Não poderia perder a estréia, resolvi ir na primeira sessão. Tomei banho, troquei de roupa, peguei o ônibus pro Campinas Shopping. Assistir a um filme não deve ser um ato passivo. Não. Ele não vem até mim. Eu é que vou até ele. E pago pra isso: $2,25. Chego ao Shopping e espero a bilheteria abrir, às 13:50. "Por favor, uma meia pro tropa das 2". "Sete reais", diz a moça da bilheteria, uma das mediadoras entre as pessoas comuns e a arte (industrial) mais popular dos últimos 112 anos. O filme não será um presente. Eu estou pagando pra vê-lo. Com 7 reais eu poderia comprar esfirras no Habbibs, Ovomaltine no Bobbs, ou um burguer qualquer no McDonalds. Mas eu pago, com prazer, o valor do meu ingresso. Meus olhos e minha alma também necessitam de alimento.

Entrego meu ingresso ao bilhereiro, e entro para o corredor da sala 1 do Box. O ar está impregnado pelo cheiro do carpete nas paredes. Gosto do cheiro. A sala está quase vazia. Subo até mais ou menos o meio e me sento na poltrona do meio. Olho para a tela gigante à minha frente e contemplo seu hipnótico branco amarelado. Sou quase que absorvido pela sua profunda imensidão. Levo meus olhos do canto direito superior para o canto esquerdo inferior, daí pro direito inferior e por fim o esquerdo superior. O teto é revestido por negras placas de isolação acústica. Ele me lembra uma noite estrelada. Mais gente chega. Reina o silêncio. Não verei o fime sozinho. É um ato coletivo, cerca de duas dúzias de desconhecidos, comungando da experiêcia de se ver um filme. As luzes da tela vão diminuindo gradativamente, até cessarem por completo. A escuridão chega. Mas não há medo. Com a escuridão, vem a luz do projetor, gloriosa, a salvar-nos a nós todos, sendo projetada na tela apagada. A liturgia começa.

E o tropa. Achei o filme ducaralho. É tenso, violento, bem filmado. E o principal: é extremamente provocador. Ninguém sai ileso. Políticos, cidadão, polícia. Contar o filme pela ótica de um capitão do Bope foi pra mim um negócio inédito, pois anos e anos acostumado a ler a história pelos olhos dos desprovidos, dos párias, e miseráveis, deixa a gente meio anestesiado, e com uma visão totalmente unilateral da realidade. E o fato da narrativa partir da polícia, não significa que o filme a exalta, nem que apóie os métodos bárbaros utilizados pelo Bope. Muita gente reclamou disso. Mas como disse o José Padilha, todos admiram Michael Corleone. Mesmo ele roubando e matando pessoas. Isso não impede que o público o ache um personagem cativante, mesmo não concordando com os métodos da máfia. E o mesmo pode ser dito do capitão Nascimento. O Wagner Moura é um puta ator, e confere muita força ao personagem. Antes dele, creio que só o Zé Pequeno (de longe, o bandido mais fóda do cinema nacional) havia empolgado tanto a platéia de filme brasileiro.

E falando em capitão Nascimento, é interessante ver como muita gente o coloca num posto de herói. Ora, parece não importar que ele mate pessoas sumariamente, que ele torture mulheres e crianças para conseguir informações, porque afinal ele é um policial honesto. É como se a honestidade o revestisse de um manto de legitimação. "Poxa, os caras do Bope mataram geral no morro" "Foda-se, os caras são honestos". Saca? A certa altura do filme, o capitão diz que só há 3 saídas possíveis praquela situação: a corrupção, a omissão, e a guerra. Mas só um homem de visão bem estreita, (mal que a grande maioria do país padece) consegue enxergar somente essas saídas. Um pouco de distanciamento histórico mostrará inúmeras outras. O lance da droga e do tráfico, por exemplo. O tráfico existe porque a droga é criminalizada. Basta descriminalizá-la, e você terá uma saída. Aliás, o filme não culpa, como muitos parecem entender, o usuário de droga pela violência. O filme critica a hipocrisia de quem consome a droga e acha que não há nenhuma ligação com o financiamento do tráfico. Esta é realidade dada. Ao consumidor da droga, não há possibilidade de comprar maconha no Carrefour, é preciso subir ao morro; à molecada da favela, pra ganhar dinheiro e se sentir importante, só se envolvendo com o tráfico; ao Bope, que se vê num legítimo estado de guerra, só resta a saída de seguir cegamente a lei e matar o maior número de bandidos possíveis.

Há diversas críticas à abordagem que o cinema dá à favela. Dizem que é sempre uma visão preconceituosa, de que lá só existe o crime. Não acho isso. Existem ótimos filmes que falam da comunidade, sem recorrer à violência. Mas existe a realidade de que o tráfico está na favela. Uma minoria infiltrada numa maioria honesta e trabalhadora, que sofre. Continuo achando Cidade de Deus um puta filme, aos moldes dos filmes de gangsters do Scorsese, e Tropa de Elite é um ótimo filme policial, que causou uma comoção inédita no país, onde praticamente todo mundo viu a cópia pirata e passou a discutir segurança pública como quem discute a final entre Flamengo e Corinthians.

Quando o filme termina, me bate aquela vontade de entrar pro Bope. É como brincar de polícia e ladrão. "Eu sou o Zé Pequeno" "E eu sou o Capitão Nascimento" "Ih, Zé, tá fudido! "Mas o que eu gostaria mesmo é que o Bope invadisse Brasília. O Congresso. O Senado. E matasse todos aqueles filhos da puta. Isso sim seria justiça. Uma verdadeira missão cumprida. Só assim eu aplaudiria o Bope de pé.

estética de cú é rôla

"As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental"

Vinícius de Moraes era um rapazinho danado. Não havia mulher que não caísse em sua lábia. Foi casado nove vezes, muitas delas com garotas bem mais jovens que ele, garotas aliás apaixonadíssimas pelo poetinha e seu indefectível wisky com gelo. De um sujeito que aparentemente possui tanta familiaridade com o mundo das mulheres, sempre esperei que exaltasse todo o tipo de fêmea. Inclusive a feia. Mas aí me deparo com essa pérola da falta de bom mocismo, do politicamente incorreto: a beleza é fundamental. Meu amigo Dida não gosta do verso. Ele escreveu certa vez no perfil de seu orkut: "Senhor Vinícius de Moraes, vá pra puta que o pariu. Beleza não é fundamental", ou algo parecido, não me recordo das palavras exatas, mas a idéia era essa. Bem, acho que o assunto merece um pouco mais de atenção.

De minha parte, nutro um tipo de simpatia pela frase, talvez quem sabe por uma certa nostalgia de uma vida que nunca vivi, aquela dos boêmios conquistadores, homens misteriosos por quem as mulheres suspiravam, buscando um pouco mais de paixão, bebida e tragédia em suas existências vazias. Bem, qual é o cara que não gostaria de ter o charme do Vinícius?

Mas o foco da questão é esse: quem são as mulheres feias? E quem são as bonitas? Como diferenciar uma da outra? Será que batom, lápis e creme podem ser usados como critério? Olheiras, estrias, pêlos, celulite na bunda são elementos importantes? Mulher bonita tem que ter peito e bunda grandes? Ou pernas compridas como as da Ana Hickmann (que, diga-se de passagem, é uma mulher linda, gostosa e inteligente) ? Como, enfim, diferenciar uma gatinha de uma bozenga?

No meu tempo de colégio, as meninas mais divertidas e alegres eram as bonitinhas. Eram elas as mais desencanadas, as que sempre agitavam a sala, junto com os moleques do fundão. Bem ao contrário de outras meninas, feias, que mantinham um eterno mal-humor e estavam sempre prontas a beliscar meu braço. Bando de desprovidas recalcadas! Mas, pensando um pouco mais, me lembro que essas meninas não eram propriamente feias. Elas se sentiam feias - e por isso eram inseguras, invejosas e chatas pra cacete. Me lembro até de algumas bonitinhas que se encaixavam nesse peril. Malditas falsas-belas.

Creio profundamente que beleza e inteligência convivem necessariamente na mulher. Ops, melhor eu reformular essa frase: mulheres inteligentes são sempre belas, mas algumas mulheres lindas tem uma capacidade mental nível Sassá Mutema. Reforço essa idéia, porque há um conceito idiota do senso comum, que diz que mulher bonita é sempre burra. Não pode haver mentira maior. E já que essas linhas são escritas em resposta ao amigo Dida, dou como exemplo a sua própria namorada: a Ju é linda e inteligente. Exemplo perfeito.

Hoje em dia, do alto de meus 22 anos, perdi a paciência com mulher feia. Desprezo aquelas pseudo bonitas que sempre andam com uma amiga feia pra se sentir seguras. Me cansa profundamente mulher que reclama da vida, e principalmente, que reclama de homem. Putaquiopariu, não as quero perto de mim! Prefiro me debruçar no balcão do meu bar, e rir com alguma garota bonita, inteligente, divertida e desencanada o bastante pra não dar a mínima praquele pneuzinho, praquela celulite, ou pra chapinha que deixou de fazer.

Pois é Dida, tenho que concordar com o velho.

As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Se esta vida fosse apenas um rascunho de uma outra...

Seu eu pudesse me encontrar comigo mesmo, há 5 anos atrás, diria algumas coisas a ele. Coisas que, com toda certeza, o eu de 5 anos atrás gostaria muito de saber.

- desencana de gravar filmes da tv. Logo logo vão estar todos em dvd, com menu animado, extras legais e tudo o mais.

- não tente entender como as garotas pensam, ou o que se passa na cabeça delas. Simplesmente tente beijar uma. E logo!

- Não fique tão preocupado com faculdade. A melhor coisa é fazer o curso de filosofia depois dos 20. A maturidade muda tudo...

- Ouça Strokes, ouça strokes, ouça strokes!

- Aliás, começe a ouvir mais música. A vida não é feita só de cinema.

- Sim, você vai se apaixonar por ela. E não, ela não vai se apaixonar por você. Mas passe cada minuto possível junto dela, pois serão os melhores momentos de sua vida.

- Não seja estúpido. Não critique a religião de ninguém!

- Aliás, tudo o que você sabe sobre Deus, Jesus e a igreja, está errado.

- Não seja sempre tão legal, tão certinho, tão perfeitinho. Não adianta se esforçar pra cair nas graças das pessoas, pois elas não hesitarão em pisá-lo e humilhá-lo quando você estiver por baixo.

- Acredite: fuja de gente medíocre! E principalmente de garotas medíocres. E nem adianta tentar mudá-las. Mulher burra não fica interessante, por mais discovery channel que assista.

- Não se sinta culpado por gostar tanto de filmes. Um dia as pessoas te respeitarão por isso.

- Não critique os bêbados, pois você descobrirá que a cerveja é a melhor companheira do homem.

- Ah, sabe a baixinha do 3.C que desenha bem? Empresta o Toy Story pra ela.

domingo, 9 de setembro de 2007

o prazer dos olhos

Quatro moedas de um real e duas de cinquenta centavos. Segunda-feira. Quando o ciclo de uma semana sem cinema se fecha na vida de um cinéfilo, ele enlouquece. É como deixar uma ninfomaníaca sem sexo: simplesmente não dá!

Bem, todos estão comentando o novo Duro de Matar. E tem também o Ultimato Bourne. Além daquele suspense novo do diretor do Exorcista. Opções interessantes. São filmes que todo mundo está vendo. Depois de considerar por uns segundos, chego a um veredito: Irei assistir A Comédia do Poder, do Claude Chabrol, no Paradiso.

Esta é uma escolha totalmente fundada no prazer de meus olhos, uma decisão que está de acordo com aquilo que eu acredito: cinema não é somente entretenimento. É também, mas não é só isso; ir sozinho ao cinema é absolutamente saudável e necessário. É como meditar, um processo intelectual de purificação bastante prazeiroso; ver filmes que ninguém além de você vê, é um baita sinal de auto-suficiência. É como se fosse estabelecido um pacto entre você e o filme: depois da projeção ele é seu, faz parte de você. Espectador e filme, uma coisa só.

Me diverti à béça no filme do Chabrol. É um elegante drama sobre política, com a maravilhosa Isabelle Huppert no papel principal de juíza blasé-implacável. Alguns minutos de projeção e menos de uma dúzia de enquadramentos foram suficientes para agradecer à deus por eu ter feito a escolha certa.

E o Bruce Willis que me desculpe.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

fragmentos

Começei ontem a leitura de Sexus, de Henry Miller. Simplesmente ducaralho. Primeira parte de uma trilogia iniciada em 1949, intitulada A Crucificação Rosada, esta nova tradução da Companhia das Letras, em suas 50 primeiras páginas, já me marcaram de forma inegável. Aí vai alguns fragmentos:

"O homem escreve para livrar-se do veneno que acumula devido à falsidade do seu modo de vida. Está tentando recapturar sua inocência, mas ainda assim tudo que consegue fazer (escrevendo) é inocular o mundo com o vírus de sua desilusão. Ninguém escreveria uma palavra sequer se tivesse a coragem de viver aquilo em que acredita. Sua inspiração é desviada na fonte. Se é um mundo de verdade, de beleza e de mágica que deseja criar, por que interpõe milhões de palavras entre ele e a realidade desse mundo? Por que retarda a ação?"

"Quando tentamos fazer algo que ultrapassa nossos poderes, é inútil buscar a aprovação dos amigos. Quando você decide testar seus poderes, quando tenta fazer algo novo, mesmo o melhor dos amigos tende a revelar-se um traidor. A própria maneira como ele lhe deseja boa sorte, quando você expõe suas idéias quiméricas, já basta para desanimar. Ele só acredita em você na medida em que o conhece; a possibilidade de que você seja maior do que parece é perturbadora, pois a amizade se baseia na reciprocidade. É quase uma lei: toda vez que um homem embarca numa grande aventura, precisa cortar todos os laços"

"Lágrimas são bem mais fáceis de enfrentar que a alegria. A alegria é destrutiva: deixa os outros desconfortáveis. 'chora e chorarás sozinho' - que grande mentira! Basta começar a chorar que encontrarás um milhão de crocodilos dispostos a chorar contigo. O mundo está sempre em prantos. O mundo está encharcado de lágrimas. Já o riso é outra coisa. O riso é momentâneo - e passa. Mas a alegria, a alegria é uma espécie de hemorragia extasiante, um tipo de supercontentamento insuportável que transborda por cada poro de seu corpo. Não é possível deixar os outros alegres com sua alegria. A alegria precisa ser gerada pela própria pessoa: ou bem existe ou bem não existe. A alegria baseia-se em algo profundo demais para ser compreendido e comunicado. Estar alegre é ser um louco num mundo de fantasmas tristonhos"

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

meus doze anos

Poderia titular esta resenha como "o eterno retorno de uma adolescência patética", ou "previsibilidade de um gauche". Há 2 dias tive minha primeira experiência de estágio. Cumprindo um trabalho na disciplina de Educação, acompanhei uma turma de sexta série, no que totalizará 30 horas de acompanhamento.

Estava de certa forma ansioso, o novo sempre me preocupa, mas fui bem recebido pelos professores, o que é um ótimo começo. Mas vamos às crianças: 17 garotas e 13 garotos, com idades entre onze e doze anos. Incrível como são incapazes de fazer silêncio. Eles não falam, gritam. Não tinha nenhuma turma do fundão, como no meu tempo, mas algumas coisas nunca mudam: os hiperativos que correm initerruptamente de um lado pro outro, as meninas que passam o dia fazendo aquelas listas do tipo "quem você levaria para uma ilha deserta", os ultra-quietos, as inteligentes que sentam lá na frente, o gordo, a dupla que só conversa e não faz lição.

Acho que a escola é legal como ambiente de interação, um espaço de convívio com pessoas da idade deles. Estão na fase de curtir os mesmos tipos de música (geralmente ruim); fazem brincadeiras de criança, mas não se rotulam como tais; têm um certo senso de dever e responsabilidade, copiam a lição, tendo esmero com seus cadernos. Mas tudo que fazem é uma questão de hábito.

Por exemplo, o professor escreveu na lousa uma série de respostas à algumas questões. Uma delas era de caráter pessoal. Muitos reclamaram que esta tal resposta não foi escrita na lousa, pois, para eles, a coisa tem que ser seguida à risca. Não há nada de libertário nesse comportamento. É apenas bagunça. É apenas seguir regras, manter a rotina.

De todos os alunos, a que mais se aproximou de mim foi uma menina magrelinha chamada Hellen. Com sorriso cativante e postura atrevida, explicava o mundo de sua sala e fazia milhões de perguntas. A comparação com a Paulinha foi inevitável. Paulinha. Descobri o gosto amargo do amor com a Paulinha, menina pela qual fui fielmente apaixonado da quarta à oitava série. Ela era legal, mas nunca me deu bola. Cara, como aquilo era ruim. Dos 10 aos 14 anos, nunca pensei em nenhuma outra menina que não fosse ela. Não era bonita, mas achava que era a fonte de toda a paz que eu precisava naqueles duros anos de puberdade.

De manhã até a noite. Só ela preenchia meus ingênuos pensamentos e fazia meu virgem coração bater mais forte. Em retrospecto, não vejo nenhuma arte, nenhuma beleza, somente delírio e solidão, somente situações que me causavam dor e sofrimento. Afinal, passar o início da adolescência se sentindo um inútil defeituoso não é nem um pouco saudável.

E o patético é, se voltasse a ser o tímido garoto de 12 anos, me apaixonaria pela Hellen, seria firmemente rejeitado, mas permaneceria cultivando esse amor, como um doente cultiva seu tumor.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

no limite da realidade

No filme "Quase Dois Irmãos" da brasileira Lúcia Murat, há uma frase chave que legitimou um pensamento que sempre tive comigo: "todos nós temos duas vidas: uma a que vivemos, e outra que sonhamos".

Simples e Genial. A vida que vivo (ou que penso que vivo) está precariamente sustentada por alguns pressupostos, como por exemplo que estou acordado, e não sonhando enquanto durmo; e que os meus sentidos não me enganam quanto às informações que recebo acerca da realidade. Mas o que importa é que acredito que existo, que estou vivo. Tenho minha vida. Mas quando viajo nas idéias, como dirigir um filme, tocar com os Los Hermanos ou ouvir um "eu te amo" da Karina Bacchi, aí sim eu me sinto vivo de verdade. Como a mulher daquele filme do Woody Allen, "A Rosa Púrpura do Cairo"

Afinal, o que seria da vida sem o brilhante anarquismo ateu do Saramago (não consigo imaginar a vida sem "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" ou "Ensaio Sobre a Cegueira"), ou o colorido minimalismo do tcheco Milan Kundera? A visão gélida e calorosa, contudo implacável de uma Clarisse Lispector ou os tormentos sexuais e intelectuais do protagonista de "Furia", do Rushidie. Como viver sem eles? Brás Cubas, Codinome V, Raskólnikov! São minhas vidas, minhas queridas vidas paralelas. Tão importantes quanto a real. Através delas eu vivi, morri, amei e matei.

Como desprezar o olhar de Mônica, que nos desnuda, naquele antigo filme do Bergman? Ou não tremer com o flashback da morte do irmão do Charles Bronson nas mãos do terrível Henry Fonda? Como permanecer insensível aos velhos fotogramas deixados por Alfredo, às peças pregadas pelos "amici miei", à beleza inatingível da Audrey Hepburn, aos tombos de Carlitos, o ódio de Tony Montana, à revolta da tripulação do Potemkin? Aos sonhos do Kurosawa, à demência do último Glauber, ao amor tão vermelho e pulsante entre o escritor e Satine, e ao horror dos zumbis de Romero? Ver o Babenco brincando nos campos do Senhor, Coppola enlouquecendo no Apocalipse, Bergman torturado suas mulheres, Almodóvar estuprando Kika (e também a nós, todos nós), de Niro saindo de seu táxi e mandando bala nos cafetões, Godard anarquizando com Belmondo em seu Acossado, e a musa blasé Anna Karina (Ah, Anna Karina!).

Uma vida não pode ser taxada de sem-graça se tem o grito de Janet Leigh orquestrado por Hitchcock, a crise ética dos assassinos judeus de Munique, os lindos pés descalços de Mia Wallace, o Cristo de Scorsese, o medo da morte de Hall, o final sem esperanças dos Incompreendidos de Truffaut, a suntuosidade da nobreza de Visconti, a insanidade sangrenta de Bala na Cabeça, de Woo, os caminhos de Kiarostami ou o vazio existencial do Antonioni.

Todos nós temos duas vidas: uma a que vivemos. Outra, a que sonhamos. Não me pergunte qual das duas eu prefiro.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

amor e máfia

A coisa que mais impressiona no primeiro O Poderoso Chefão é a frase proferida pelo Dom: "um homem que não dá atenção à sua família nunca será um homem de verdade". Sempre achei que toda a saga girava em torno desta idéia, mas revendo a terceira parte, notei que o buraco é mais embaixo.

Ao fim da trilogia, Michel Corleone desce ao inferno. Em linhas gerais, esse é o quadro desta verdadeira tragédia shakesperiana: o dever o levou a matar seu irmão mais velho, sua esposa o abandonou, e sua filha foi morta em seu lugar. À beira da morte, sozinho, num velho casarão da Sicília, sua memória passeia pelos momentos felizes de sua vida. Embalado por um bela e tristíssima valsa, Michel dança com sua filha Marie. Logo depois Appolonia, sua esposa siciliana. E por fim Kay, a esposa americana e mãe de seus filhos.

Ora, quando sua vida está arruinada e a morte lhe convida para partir, não é de seu pai que Michel se lembra - aliás, de longe, a figura mais forte da trilogia. Nem da mãe. Nem de seu filho homem. Suas lembranças não são tomadas por qualquer dos irmãos, amigos, aliados, inimigos, por deus ou pelo diabo. No fim, restaram as lembranças das mulheres que amou. As mulheres de sua vida.

Bem, acho que no fim é isso mesmo. Para os grandes homens, sempre há uma figura feminina decisiva. Talvez porque o amor seja o único elemento que mesmo o mais sóbrio e controlado dos homens é incapaz de controlar.

Como ainda estou longe de ser um grande homem, espero pacientemente no meu canto, sossegado, a mulher que irá preencher o vazio de meus últimos dias, desfilando no palco de minhas memórias, no triste, frio e amargo dia de minha morte.