sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

sobre alguns pensamentos fugidios que me tomaram de assalto a alguns minutos atrás

Olá, boa noite. Meu nome é William Pereira, tenho vinte e três anos, gosto de xis salada com hambúrguer de soja, críticas de cinema do Inácio Araújo e de Woody Allen. Há um pouco mais de cinco meses, comecei a namorar uma garota incrível: linda, inteligente, divertida, com bom gosto pra arte e com a paciência necessária para aturar as minha idiossincrasias. Num momento eu tinha certeza que terminaria minha vida ao lado de gatos gordos, revendo a terceira temporada de Família Soprano, e no momento seguinte eu estava beijando a Maíra, uma garota que eu aprendia a amar a cada dia, e, pasmem, que me amava em retribuição! Fico muito feliz por estarmos juntos, faço tudo pra que a relação dê certo, e sinceramente acredito em nosso futuro habitando o melhor dos mundos possíveis, mas (pra usar mais uma expressão aristotélica), não posso me livrar das contingências do mundo sublunar.



Não se desespere, eu explico: estou tentando dramatizar ao máximo, fazer uma daquelas clássicas tempestades num copo d´água. O que acontece é que sábado (daqui a umas 30 horas, mais ou menos) eu irei pra Araçatuba, a cidade onde a Maíra mora, conhecer toda a família dela. O que inclui pai e mãe. Ok, ok, eu sei que é bobagem. É só ir lá, sorrir, ser simpático, não arrotar à mesa nem cutucar o nariz com o dedo, massa, tá tudo sussa. Mas de onde eu tirei tanta insegurança? Desde quando eu tenho problemas em cativar as pessoas?! Todos gostam de mim, sou uma rara unanimidade quando o assunto é “queridice”.E, se por fim não gostarem de mim, desde quando a opinião alheia é tão fundamental pra mim? O amor que sinto pela Mazu não é o suficiente??



Pensei um pouco em tudo isso, e no porquê eu estou tão encucado, e acho que tem pouco a ver com o medo do que vai acontecer.



Tenho pensado no que sou eu. E relembrei algo que a muito não me passava pela cabeça, que é o conceito da multiplicidade do eu (http://billmementomori.blogspot.com/2008/01/noo-de-multiplicidade-do-eu.html). Droga, acho que estou me perdendo. Nesse post eu queria falar sobre as máscaras que usamos, e como isso é deprimente quando se pensa um pouco a respeito. Todos nós usamos diferentes máscaras para lidar com diferentes pessoas/situações no dia a dia. Mesmo que o Will seja um rapaz sincero e coerente, ele não é o mesmo com a sua mãe e com seu professor de Ética, não é o mesmo com seu amigo Fábio e com seu cliente do bar. É fato. E daí eu penso: vou conhecer os pais da minha namorada. Se eu quiser que eles gostem extremamente de mim, posso pesquisar rapidamente sobre quais são suas áreas de interesse, e daí conversar sobre aquilo que os interessa. Mesmo que eu não goste de economia, posso conversar com o Pai sobre o mercado financeiro. Mesmo que eu não goste de jiló, posso saborear o ensopado de jiló da Mãe, e tecer os mais caprichados elogios. Mesmo que ache pescaria um saco, basta mostrar um sincero entusiasmo pela pesca do Tucunará aos Tios que logo serei considerado um garoto jóia (logo após contar aquela meia dúzia de piadas que decorei especialmente pra ocasião). Entenderam? Todo ser humano obedece a certas regras de comportamento. O que eu preciso é lembrar do nome de todos, falar sobre aquilo que os interessa, nunca criticar nada, sorrir sempre, e algumas outras coisinhas, e daí as pessoas se permitirão ouvir o que eu realmente tenho a dizer, só aí vão me dar a chance de mostrar quem realmente sou. Minha crise não tem muito a ver com a questão se vão ou não gostar de mim (acho que vão, todo mundo gosta), mas uma certa birra em ter que iniciar um jogo de sedução que eu não gosto muito de jogar.



Ah, esqueçam, só posso estar maluco mesmo. Estou reclamando de barriga cheia. A Maíra me disse que a mãe dela é uma mulher sempre preocupada com o bem das pessoas, que está sempre trabalhando como voluntária em alguma causa social. E o pai dela é um político de esquerda, um cara que, junto com a esposa, militou por quase duas décadas no PT. São pessoas incríveis que estou ansioso pra conhecer. Diferente da situação outros amigos, como o Claudinei, que é negro e pobre e foi conhecer a família da namorada classe média alta, que parece ter saído de uma daquelas casas chiques de novela da globo. Ele me disse que não agüenta mais os olhares de “oh, deus, ele é negro” nos familiares da garota. Fóda, né. E o pai da mina do Gabriel, que não deixa a garota sair e é um reaça nojento e beberrão! E o pai da Hiara, ex-namorada do Fábio, nunca aprovou o namoro dos dois, nem após longos 6 anos de relacionamento.



Oh, céus, me desculpem, não quis reclamar das coisas à toa, acho que só precisava escrever um pouco sobre toda essa ansiedade que estou sentindo. O resultado foi todo esse texto desconexo aí de cima, mas acho que estou me sentindo um pouco melhor agora.

É provavel que eu use toda a sorte de artifícios de que disponho para que as pessoas de Araçatuba gostem de mim. Talvez faça isso sem pudores nenhum, já que o amor que sinto pela Maíra - que na real é a única coisa que realmente importa - é indubitavelmente verdadeiro.

E tenho dito.

um texto perdido sobre coisas desencontradas, ou sobre como eu deveria agradeçer mais à vida por ter conhecido a Mazu

Vasculhando em minhas coisas, descobri um texto inédito e inacabado, em duas versões levemente diferentes. Ia jogá-los fora, mas daí achei que algumas coisas valiam a pena, então, vou postar aqui. Foram escritos provavelmente dia 26 de junho, e, como as duas versões são levemente distintas, irei postar as duas.

[versão 1]
Acabo de assistir ao derradeiro capítulo do Aprendiz 5 - O Sócio. Desligo o televisor e fito a tela apagada à minha frente. Não era a vitória do Clodoaldo o que permeava meus pensamentos naquele momento, mas algo um cadinho mais pessoal: se a minha vida fosse um reality show do Justus, eu já teria sido demitido logo no início. Porquê? Vou me esforçar para explicar, da forma mais indireta e prolixa possível.

Há algumas semanas ocorreu uma eliminação no programa que me chamou a atenção. Ao ser indagado acerca de quais seriam seus planos para o futuro, o concorrente repondeu, ingênuamente, que pretendia se aposentar aos cinquenta anos e, em seguida, cuidar de um vinícula. O Roberto Justus só faltou subir pelas paredes. O rapaz foi abortado da competição porque, segundo o ex-futuro patrão, "pensava pequeno". Ao se retirar do programa, lamentava sua saída, porque foi uma frase, somente uma frase, que o tirou da disputa, do sonho dos dois milhões de reais. Foi um pequeno detalhe. Aparentemente insignificante.

Há alguns dias, um sujeito que se julgava conhecedor das mulheres descobriu que não entendia nada sobre o universo feminino. E essa constatação veio da forma mais desagradável e tola que se pode imaginar. Ele deveria ter se lembrado daquela máxima: comentários machistas só são proferidos entre homens, em uma mesa de bar. Era óbvio que ia dar merda bancar o malandrão perto de sua garota. Erro feio. Infantil. Daqueles que comovem quem o assiste, tamanha ingenuidade. Uma frase mal dita. Um gesto quase imperceptível, aparentemente inócuo, porém portador de grande carga hostil. Um copo de cólera. O rapaz achou que se tratava de algo pequeno, e realmente era. Pena que descobriu tarde demais que são as pequenas coisas que magoam, que machucam de verdade.

[Há uma citação escrita no final da folha]
"Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu; não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros, e contudo, o vosso Pai Celistial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? Qual de vós poderá, com as suas preocupações, acrescentar uma única hora ao curso da sua vida?"
Jesus



[versão 2]
Acabei de assistir ao último capítulo do programa O Aprendiz, entretanto, não era a decisão de quem seria o sócio do Roberto Justus que me preocupava. A situação já havia se dilineado na minha mente: se minha vida fosse um espisódio do aprendiz, eu já teria sido demitido. Para aqueles que esperam explicações, sinto informar, mas acho que digressões são bem mais interessantes.

Há algumas semanas, um dos concorrentes do já referido programa da record foi eliminado porque, ao ser perguntado o que esperava do futuro, respondeu que planejava se aposentar com cinquenta anos e, depois disso, cuidar de uma vinícula. A resposta causou desespero em Justos. O rapaz foi eliminado do jogo porque "pensava pequeno". Ao sair do programa, se lamentava porque, segundo disse, foi uma frase, somente uma frase que o tirou da disputa, do sonho de 2 milhões de reais. Foi um pequeno detalhe, aparentemente insignificante.

Agora, como já se tornou um hábito neste blog, vou transferir o mesmo princípio para o campo dos relacionamentos. Muitas vezes, não são as grandes mancadas as responsáveis pelos maiores abalos de uma relação. Traições, bolos, humilhações. Nada disso. As vezes é somente uma frase mal dita. Um quase imperceptível gesto hostil. Uma pequena omissão. Uma maldita frase impensada. Não se trata de forma alguma de classificar essas ocorrências como tempestadess em copo d´agua, mas de entender o real sentido da teoria do caos. Bem, acho que já ficou claro que eu escrevi esse texto porque disse o que nao devia. E também acho que tá claro que eu não fiz isso por mal. Achei que se tratava de algo pequeno, sem importância. Mas são essas pequenas coisas que magoam, que machucam de verdade.

Então vi o filme do Sean Penn, na natureza selvagem. Um filme poético, muito bonito. De certa forma, perturbador. Em certo memento, o protagonista do filme tem uma revelação de grande sabedoria: "só há verdadeira alegria quando ela pode ser compartilhada". Para ele, a alegria era se sentir livre. Sem as amarras da sociedade. Junto da terra, do frio, do rio. Vivenciar outro tempo. Entrar em contato com um outro eu. Se tornar espiritualmente elevado. E, quando eu penso nessa concepção de natureza, sempre me vem à cabeça o conceito do Deus das pequenas coisas. Um deus que controla os pequenos detalhes maravilhosos da criação. Às vezes o meu desejo é servi-lo. Romper com minhas raízes e buscar na estrada o outro eu que existe dentro de mim. E então eu penso: eu realmente já encontrei meu caminho? Ou eu me acomodei na vida? Teria eu optado pelo caminho da mediocridade, ou minhas conquistas são fruto de maturidade?

Dúvidas e mais dúvidas. Questões e arrependimentos. Já se disse muito que a vida é uma peça de teatro onde não há ensaio. Todas as decisões são definitivas, irrevogáveis. A decisão certa te fará um vencedor. A outra opção só te trará amargura. Pode parecer simples, mas as regras do jogo são vagas e obscuras.

Não me resta saída senão rogar sabedoria ao Deus das pequenas coisas.

[fim das versões]

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

sobre o inexorável

Hoje é segunda feira, dia seis de outubro. Durante os primeiros anos de minha vida, nesta época do ano, a ansiedade tomava conta de mim, e eu contava os minutos para o doze de outubro chegar. O dia das crianças era sinônimo de presentes e casa da vovó (hoje esta data não possui significado algum). A casa da vovó era o Diego, o Douglas, a Francielle, a Jéssica, o Mateus, o Vinícius e o Jefferson. Era o tio Gê, a tia Célia, a tia Leila, o Birola (que foi preso), a tia Luzia, o tio Deoclécio, o tio Paulo, a tia Lúcia, o papai, a mamãe, a vovó Nêga e o vovô João. Meu pai um dia me contou uma história da época em que ele namorava minha mãe. Ele deveria ter a minha idade. Segundo ele, uma noite os dois saíram juntos, e meu pai não tinha comunicado aos meus avós que iria estar fora. Chegou muito tarde, e o meu avô estava à sua espera, juntamente com sua raiva prestes a entrar em ebulição. Se não me falha a memória, estava bêbado. Naquela noite, mesmo sendo um adulto, meu pai apanhou. "E eu não levantei um dedo. Porque ele é meu pai. E eu amo meu pai", foi o que ele me disse. Meu avô era um homem longe de ser perfeito, mas era um homem de verdade. E meu pai sempre o amou.

Estou no meu quarto, ouvindo o 4 do Los Hermanos. Peguei alguns álbuns de fotografia pra ver. Estou vendo uma fotografia onde eu sou apenas um bebê. Estou pálido, nem cor eu tenho. Tem uma da mamãe bem jovem e grávida, e o papai com bigodinho de malandro. Pôxa, minha mãe era uma moça bonita mesmo. Todos fazem pose para as fotos comigo. Eu sou o bebê-sucesso. Agora eu estou sendo batizado por um padre barbudo. William: Católico dos 0 aos 7 anos. Protestante dos 8 aos 18. E um Agnóstico safado dos 19 aos 23. Porque é que os pais sempre tiram fotos de seus filhos pelados? Bem, ficar peladinho em 1985 era bonitinho. Se fizer isso hoje, vão te chamar de pedófilo. Este mundo está doente, perdeu a inocência. Caramba, a vovó Áurea parece tão cansada em todas essas fotos. Tanto o papai quanto o tio Chiquinho ostentam grossos bigodes, e eu uso o meu bonézinho branco pra passear no Jardim do Lago. É perto da casa da Carol, pena que nessa época nós não éramos amiguinhos. Será que eu tinha uma bunda grande ou isso é somente a fralda? Nessa daqui eu estou dando um beijinho no neném Jefferson, mas no fundo eu tinha muito ciúme dele. Acho que fui um mal menino. E um mal irmão. Talvez ainda seja um mal irmão.

Quanto mais eu avanço no álbum, mais devagar eu observo. Quanto mais eu olho, mais cortantes são as lembranças. Cada nova página pesa mais que a anterior, e esses instantâneos que traem a fugacidde da vida cutucam meus desbotados fragmentos de memórias, desenterram apertos no peito que talvez eu não quisesse voltar a sentir. Me ver em 1990 me deixa no limiar das lágrimas, e sei que essa melancolia é própria do humano, essa raça que compartilha da nostalgia do ontem. Afinal, o passado é sempre mais doce, alegre e colorido do que o embolorado presente.

O vovô João era um homem austero. A mamãe diz que, depois do derrame, ele se tornou um homem muito melhor. Mais tolerante e amoroso, sempre preocupado com os netos, fumando sossegadamente o seu cigarro de palha. Sempre que fala dele, meu pai precisa limpar as lágrimas, a saudade é quase palpável. É a impermanência. Sempre a implacável impermanência. Logo serei eu a ter filhos, e será sobre o meu pai que irei falar. Quando meu pai estiver morto, contarei suas façanhas mais incríveis aos meus filhos, quem sabe com lágrimas nos olhos, numa tentativa vã de ceder o inabalável, flexionar o implacável, amenizar o inelutável.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

sobre sonhos que não me deixam abandonar o passado


Odeio quando esse tipo de sonho vem.
Acordo sempre de mal humor.
Um mal humor gigantesco.

uma idéia que eu tive prum curta metragem...

um rapaz conhece uma garota e os dois iniciam um namoro.
ela é vegetariana, e ele também se torna um.
após um tempo as brigas começam, e se tornam constantes.
os desentendimentos culminam num bate boca raivoso e rancoroso.
o rapaz vai embora do apartamento batendo as portas e pisando forte.
vai até a primeira barraquinha de cachorro-quente que encontra.
pede uma salsicha.
o vendedor estaca, confuso.
o rapaz então, impaciente, enfia a mão dentro das salsichas, e começa a comê-las, compulsivamente.
enquanto enfia tudo na boca, grita:
"eu te odeio! eu te odeio!"

sexta-feira, 13 de junho de 2008

relembrando crimes e pecados, de woody allen


"O fato único que ocorreu com os primeiros israelitas é que eles conceberam um Deus que ama. Ele ama, mas ao mesmo tempo exige um comportamento moral. E aí está o paradoxo. Qual é a primeira coisa que esse Deus pede? Esse Deus pede a Abraão que sacrifique seu único filho, seu bem-amado filho. Ou seja, apesar de milênios de tentativas, ainda não logramos criar a imagem de um Deus amoroso e benévolo. Isto está além da nossa capacidade de imaginação. "


-lsolado da festa? É como eu.
-Sempre fico triste nestas ocasiões.
-Parece imerso em pensamentos.
-Planejava o assassinato perfeito.
-Roteiro para um filme?
-Filme?
-É. Foi o que o Ben me disse, que você faz filmes.
-É, mas não desse tipo. De outro tipo.
-Tenho uma ótima história de assassinato.
-É?
-Um grande roteiro. Acho que bebi demais. Desculpe, vou deixá-lo sozinho.
-Não, tudo bem. Não estou fazendo nada.
-Mas minha história de assassinato tem um estranho desenlace. lmagine este homem muito bem-sucedido. Ele tem tudo. E após cometer esse ato horrível, ele começa a ser perseguido por uma culpa profunda. Ecos de sua educação religiosa, que ele sempre rejeitou,começam a surgir. Ele ouve a voz do pai, imagina que Deus vigia todos os seus passos. De repente, o Universo não é mais vazio... Ele é justo e tem uma moral. E ele a violou. Agora, ele está apavorado, está no limiar de um colapso nervoso, perto de confessar tudo para a polícia. Então, um dia, ele acorda. O sol está brilhando e sua família está ao seu redor. Misteriosamente, a crise desapareceu. Ele leva a família para a Europa, e descobre, com o tempo, que não foi castigado. Ao contrário, prospera. O crime é atribuído a outro, um vagabundo que já matou outras pessoas. Uma a mais não importa. Agora, ele está livre. Sua vida volta completamente ao normal, ao seu mundo seguro de riquezas e privilégios.
-É, mas ele pode mesmo voltar ao que era?
-Bem, as pessoas carregam seus pecados consigo. Às vezes, o que fez o atormenta, mas passa. E com o tempo, tudo acaba.
-Mas, então, suas piores crenças se realizam.
-Bem, avisei que era uma história mórbida.
-Não sei. Acho que seria difícil alguém viver com isso. Poucas pessoas poderiam viver com isso na consciência.
-Muitos carregam erros terríveis consigo. O que queria que ele fizesse? Que se entregasse? lsso é a realidade. Na realidade, racionalizamos. Nós negamos. Senão, como continuar vivendo?
-lsto é o que eu faria. Faria com que se entregasse. Assim, a sua história tomaria proporções trágicas, porque, na ausência de Deus, ele tem de assumir a responsabilidade. Aí, você tem a tragédia.
-Mas isso é ficção. É cinema. Vê filmes demais. Estou falando da realidade. Se quer um final feliz, vá ver um filme de Hollywood...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

sobre sozinhez

Há vinte e cinco anos, meus pais estavam prestes a casar. Minha mãe era a mesma baixinha sorridente de hoje, mas meu pai era um pouco mais magro. Um dia, ele deu um urso de pelúcia de presente para minha mãe. No noivado. Eu nasci uns anos depois, e me apeguei ao ursinho. Tenho 23 anos. Não houve um dia sequer, em todos esses anos em que eu dormi em casa, em que eu não dormisse abraçado ao ursinho. Quando eu era pequeno eu tinha medo, pois achava que se eu não dormisse com ele ao meu lado, de madrugada ele iria até a minha cama e me mataria degolado. Mas enfim o medo se foi, e o hábito falou mais alto.

"Quando algum dia a idade vier e o tempo passar, quem terá ciúmes, quem vai se preocupar? Estar ao lado pra me agasalhar? Quando à tardinha o sol cair, quem fará melhor?" É isso que se passa pela cabeça de milhões de pessoas em todo o mundo. E se não passa, um dia já passou. E se não, um dia passará. É empiricamente incontestável. Isso porque a figura do Lobo Solitário é bem atraente, bastante cool. Mas a verdade é que é triste ser um homem só.

Sexta feira passada eu fui abatido por uma tristeza terrível. Aparentemente sem motivo. Solução?: Cinema. Fui ver Sex And The City. Foi a melhor opção pra levantar o moral. Só haviam mulheres e homens gays na sala, talvez porque seja realmente um filme pra bichas e mulherzinhas. Mas como eu me diverti horrores! Acho muito divertido aflorar essa minha parte mulher, que, diferente daquilo que milhões de machistas hipócritas dizem, não é nem um pouco lésbica.

Enfim, o que quero dizer é que Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda são novaiorquinas divertidas, abusadas, fabulosas, independentes, maravilhosas e blábláblá. Mas foi um alívio o filme ter chegado ao fim, porque eu não suportava mais tanta futilidade. Dinheiro, roupas de grife, restaurantes caros, bolsas de grife, jóias e toda essa artificialidade, puta merda, uma hora começa a dar nojo! Tudo é magnificamente chique e glamuroso. Mas a overdose de luxo foi tanta, que eu senti falta de ver um apartamento velho cheio de roupas espalhadas. De uma livraria. De uma pequena loja de discos. Em resumo, da novaiorquice do Woody Allen.

E esse é o ponto: mesma cidade, diferentes perspectivas.
Há muita gente no mundo. Cada um com seu modo de vida.
O meu modo de vida é bem diferente da maioria.
E certamente eu nunca sairia com as garotas do Sex and the city. Elas fatalmente me achariam um saco e, em contrapartida, a futilidade delas iria me irritar muito. Ser um homem só, neste caso, seria uma acertada escolha deliberada. Afinal, há sempre a esperança de achar o m&m vermelho em época de promoção.

Bem, este é o primeiro doze de junho em que eu não estarei sozinho. Agradeço à Bruna, por sua paciência. Hoje vamos ver o novo filme do velho Woody, e essa é uma prova irrefutável de que tanto eu quanto ela sabemos muito bem fazer nossas escolhas.

E meu ursinho continua muito feliz com a minha companhia.

situações edipianas

Eu tinha quanto, einh? Uns seis, sete anos. Íamos praticamente todo domingo pra casa da vovó. Enquanto os adultos conversavam, a criançada ia brincar. O que eu mais gostava de fazer naquelas tardes bucólicas, depois de ver o Van Damme ou o Indiana Jones na temperatura máxima, era caçar pedras para incrementar a minha já numerosa coleção de pedras. Às vezes eu ia procurar cacareco lá pra baixo da roça do vô João, pra montar invenções. E também me lembro de uma época em que eu ia colher flores. Ou melhor, apanhar mato. Manja um mato que dá uma flor comprida e fina, meio rosa, que faz cócegas se vc passar na nuca? Então, eu me lembro de ir com meu primo Diego, ou com o meu irmão, apanhar essas flores de capim, lá pra cima do campinho. Quando já tinhamos algo parecido com um ramalhete, íamos pra casa da vovó. Lá, eu dizia "Mamãe, é pra você. Casa comigo?" Ela aceitava a flor, rindo, e dizia que ela me amava, mas que já era a minha mãe. Eu insistia na proposta. Ela dizia que quando eu crescesce e fosse um homem, ela já estaria velha. Eu então dizia "não tem problema, eu caso com você, mesmo que você for velhinha". E então, rindo, ela explicava que já era casada com o papai, e, com um beijo, encerrava o assunto.
Meu pai. Naqueles momentos de confusa frustração amorosa, ele era o único ser a se colocar entre eu e minha mãe. Meu desejo era que ele morresse. Queria matá-lo.

Eu era apenas uma criança.
Mas já estava em condições de compreender Sófocles e Freud.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

sobre como me sinto a três dias do meu aniversário

Nasci aos quatro minutos do dia dez do mês de abril do ano de mil novecentos e oitenta e cinco. O primeiro filho dos meus pais. O primeiro neto de meus avós paternos. Tudo o que eu sei sobre o meu nascimento e primeiros anos provém de relatos da família e alguns documentos e fotos. Não há recordações dessa época. Engraçado, não? Somos todos mimados e paparicados quando bebês, portanto nossa fase mais doce e terna pertence a esse período. Mas todo esse amor e carinho que nossos pais nos dedicaram são condenados ao calabouço do esquecimento. A memória só começa a atuar quando levamos uma surra na escola, quando uma menina nos esnoba ou quando nosso primeiro bicho de estimação morre.

Quinta feira faço 23 anos. Quando me perguntam a idade, digo que tenho 22. Mas isso é uma inverdade. Os meus 22 anos estão completos. Eu já vivo os 23 anos. Daqui a três dias eles irão terminar, e daí eu já começo a viver meu vigésimo quarto ano. Uma confusão!

Mas, enfim, o que eu espero do meu aniversário? Acho que não muita coisa. Já comecei a ficar introspectivo, talvez eu entre na TPM masculina em breve. No ano passado eu me enfurnei no Kinolplex durante todo o dia 10 de abril. Talvez eu repita o feito. Talvez eu beba com a galera da faculdade. Talvez eu faça uma tatuagem nova. Talvez eu ria. Talvez eu chore.

domingo, 6 de abril de 2008

sobre cursos de francês e cartões telefônicos

Fui uma criança inteligente. As melhores notas na primeira e segunda série. Mas na terceira, só queria saber de brincar com meu amigo Fernando. Alheio ao que a professora estava dizendo, eu desenhava um imponente navio do Corinthians, à lápis, na minha carteira. O Fernando, na carteira ao lado, revidava com um poderoso navio do São Paulo. Com um acréscimo: um corinthiano sendo levado à prancha, por piratas são paulinos! Quem precisa de estudos quando se tem a bagunça.

O Mundo de Beakman fez muita difença, trazia todos os conceitos chaves da ciência, mesmo falando de cocô, vômito, bichos nojentos e outras coisas escatológicas. Assistia ao programa com avidez, com um caderninho à tiracolo. Decorava as curiosidades mais absurdas e divertidas. Repetia isso na escola, em casa e em festas de família. Era o pequeno gênio, o orgulho do papai e da mamãe, um prodígio! Um embuste, na real.

A Alliance Française, escola de francês que funciona até hoje lá no Cambuí, tinha um projeto que era o seguinte: todo ano, reunia um grupo de alunos oriundos de colégios públicos e oferecia 1 ano de curso básico de francês, grátis. Fui o escolhido da minha escola. Um puta motivo de orgulho. As aulas eram boas, a turminha bem legal. Mas toda vez que eu saía de casa, eu pegava o dinheiro da passagem que minha mãe me dava e guardava para outros fins. Pedia pro motorista para passar por baixo da roleta, e sempre chegava atrasado pro curso. Não estudava, não fazia os exercícios, e, na hora da aula, não via a hora de ir embora. Isso porque eu ia correndo para o prédio da Telesp, comprar cartõe telefônico. Era minha paixão. Até hoje os tenho guardado. Uns 400 cartões. Gastava todo o pouco dinheiro, e tinha que pedir pro cobrador pra passar por baixo, de novo. Enquanto os outros garotos beijavam as meninas, eu só pensava em cartões telefônicos.

Isso não foi saudável.

Ou talvez tenha sido fundamental pra minha formação.

Seja como for, isso é tudo o que eu mais odeio em mim: a preguiça e a dispersão.

sobre vontades

Tenho vontade de escrever um livro. Um romance divertido como um Mia Couto, e com uma imaginação à la Saramago. Ele seria publicado pela Companhia das Letras. Tenho vontade de fazer parte de um daqueles grupos de palhaços que visitam crianças nos hospitais. Trazer um sorriso, quem sabe uma boa lembrança para aquelas crianças que sabem que estão em seus últimos dias. Os médicos se esforçam para prolongar a vida dessas crianças, mas às vezes se esquecem que uma vida cinza e triste é tão ruim quanto a morte. Queria ser o Patch Addams.

Tenho vontade de dirigir um filme de terror. Ir no estúdio do Robert Rodriguez e assistir a um velho splatter com o Tarantino e o Eli Roth. Tenho vontade de fazer uma animação em stop-motion. Uma bem engraçada. Tenho vontade de ganhar a Palma de Ouro em Cannes. Mais que tudo no mundo. Quero comer, beber e respirar cinema todos os dias da minha vida, enquanto viver. Quero continuar apaixonado. A minha vontade agora é ter ela ao meu lado, sentada nesse sofá vermelho do Sesc, vendo a chuva cair. O cheiro dos cabelos, do pescoço, os olhos semicerrados, a boca vaga, acolhedora, o rosto em brasa. Saudades.

Tenho vontade de organizar mostras de filmes em presídios. Não consigo me furtar da compaixão pela condição miserável dos detentos. Tal como um Dráuzio Varella, quero ser um médico, mas um médico dos olhos, da estética, dos sentidos. Abrir portas e janelas nos espíritos encarcerados desses homens.

A minha vontade é ser útil.

A minha vontade é ser feliz.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

apontamentos de meu mestre

Sucumbi à tentação de reproduzir, neste espaço, um pequeno texto do mestre Inácio Araújo. É uma reflexão própria de sua mente perspicaz e criteriosa; são notas que me chamaram atenção pela clareza e objetividade.

"IDÉIAS QUE ME OCORREM

INÁCIO ARAUJO


Não só no Brasil, mas sobretudo: os filmes agora vêm sempre com o aviso: “Baseado em uma história real”.
O que me parece, em outras palavras, o equivalente a dizer que, se não for real é irreal.
Então, os livros do Machado são irreais? Ou o Morte e Vida Severina? Ou o Balzac? Ou o Dostoiewski?

Que diabo é isso? A ficção está em crise. É como se ela mentisse, sempre. Só valem as biografias. Ou os documentários. Se o Johnny não existisse, não haveria verdade nele. A verdade vem de outra parte que não a escrita, a imagem. Vem da “vida real”. "



Taqui o link do mestre: http://cantodoinacio.blogspot.com/

domingo, 27 de janeiro de 2008

a noção de multiplicidade do eu

Enquanto dou uma pausa na leitura de O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e aguardo o resultado do paredão do Big Brother, tento retornar mentalmente ao início de minha adolescência. Qual seria o marco zero, o ponto a partir do qual a infância termina e a louca fase seguinte começa? Um biólogo me responderia que é logo após a puberdade. Mas o que me interessa agora é algo mais sutil, menos evidente, e no entanto de uma importância capital. Estou pensando em uma questão que atravessou toda a minha adolescência e creio ser comum a maioria das pessoas, a famigerada interrogação "quem sou eu?".

A coisa mais básica que alguém pode querer na vida é a certeza de sua própria existência. Mas de que adianta possuir um eu, se não se sabe exatamente o que é esse eu? Desde muito cedo Deus me confortava, eu havia aceitado Jesus Cristo no meu coração, como Senhor e Salvador pessoal, me tornando assim um Filho de Deus. Mas aos poucos isso foi me parecendo insuficiente. Às vezes eu me sentia abandonado pelo Criador, num mundo que carecia de significado. Procurei respostas no cinema e me tornei um cinéfilo. Mas aos poucos percebi que os filmes são uma representação da realidade, não a própria realidade. Viver à margem do mundo era confortável, mas a alienação me incomodava. Durante alguns anos, passei a usar diversas personalidades, até encontrar aquela que melhor se encaixava em mim. Me tornei aquilo que sempre fui: um rapaz bonzinho. Até que me toquei que as mulheres tem nojo de homens assim.

Enfim, algum tempo se passou até que eu me centrasse, ou melhor, até que eu me acostumasse à idéia de possuir um centro, um ego, um eu uno que regia um corpo e uma vida. As escolhas que fiz na adolescência (mulheres, amigos, estudos, trabalho) e o meio em que vivi foram ditando a pessoa que me tornei. Chegou um momento em que eu já podia me definir. A crise de identidade enfim havia acabado.

Ora, eu não podia estar mais equivocado.

A essência que controla o meu corpo - que pode ser chamada de alma, psiquê ou espírito - não me parece mais ser uma, mas muitas. Não existe uma natureza, um eu, uma unidade que é conhecida como William. O que vocês conhecem como William são várias naturezas, um feixe de eus, uma pluralidade que se alterna para dar vida ao meu corpo. O ego é uma ficção. O que existe é uma multiplicidade de desejos e estados.

O cristianismo já apontava para algo assim ao afirmar que temos duas naturezas: a carnal e a espiritual. Mas duas naturezas ainda são insuficientes para se explicar o que é o homem. Há centenas de outras naturezas, cada uma brigando com a outra para ver quem assumirá o controle.

Dentro de alguns meses eu completo 23 anos (interessante notar que eu já estou vivendo meus 23 anos, e que quando comemorar oficialmente o aniversário de 23, começarei a viver meu vigésimo quarto ano), sou sócio de uma pequena empresa, aço faculdade e planejo comprar uma casa. Tudo parece sob controle, mas a questão insiste em voltar.

Quem sou eu?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

sobre deus

Este post foi escrito para esclarecer as minhas posições pessoais quanto a figura de Deus, que acredito não ter ficado suficiente claras no texto anterior.

Primeiramente, é necessário dizer que tive uma formação cristã-protestante, e que estudei a Bíblia dos 8 aos 18 anos, na Igreja Batista. Tive o privilégio de conhecer pastores fantásticos, alguns deles ilustres teólogos. Eu vivia constantemente em oração, e acreditava que Deus tinha traçado um plano para a minha vida. Cabia a mim ouvir o seu chamado e obedecer. Tudo me levava ao curso de Teologia na Faculdade Teológica Batista de Campinas, onde eu tinha planos de me formar e me tornar um missionário. Em meu coração, sentia que Deus me queira na África, trabalhando entre as comunidades necessitadas.

Caramba, parece que faz tanto tempo! Lembrar disso mexeu comigo. Naquela época - eu tinha uns 16 anos - meus amigos me diziam que eu deveria estudar cinema. Mas eu estava decidido a sufocar meus desejos pessoais e ouvir o chamado de Deus. Um dia eu li um livro chamado O Mundo de Sofia, e aprendi o que era a filosofia. Descobri que eu não era o único a pensar sobre aquilo que não tem resposta, e que a Bíblia não era a única fonte possível de conhecimento.

Não demorou muito para eu deixar de ir à igreja, começar a beber, perder a virgindade, experimentar drogas, ir a shows de rock e cursar Filosofia na Unicamp. (não necessariamente nessa ordem).

Até hoje nunca cheguei a negar Deus. Nunca me considerei um ateu. Prefiro me classificar como agnóstico. Mas não acredito naquele mesmo Deus que acreditava antes. Meu conceito de Deus é aquele a partir do qual tudo surgiu, e que sem ele nada pode existir. Uma concepção bem aristotélica, diga-se de passagem.

Memo assim, ainda guardo com carinho na memória as histórias do fascinate Deus dos judeus, um Deus guerreiro, ciumento, justo e vingativo, que inspira medo e respeito. Eu o considero um brilhante personagem literário (quem já leu o antigo testamento ou o evangelho segundo jesus cristo, do José Saramago, sabe do que estou dizendo), verdadeiramente fascinante, e frequentemente faço uso de sua figura, em busca de uma explicação mais teatral para a realidade. Mas eu concordo com todos os pontos colocados pelo João e o Harry nos comentários ao meu post anterior.

Rubem Alves escreveu algo que me fez pensar um bocado: "um Deus que cria uma câmara de tortura chamada Inferno não merece o meu respeito, muito menos o meu amor".

Fóda.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

sobre Deus, eduardo coutinho e a esposa do ricardo

Regressando de merecidas férias em Boa Esperança - MG, fui diretamente para o Cine Paradiso vidiar a última traquinagem de Eduardo Coutinho, Jogo de Cena. Ótimo filme. Em certa altura de projeção, uma das mulheres entrevistadas - após relatar a morte do filho de 19 anos - diz que Deus havia feito uma maldade com ela. Uma maldade muito grande. Após muitos meses ela conseguiu superar a perda, mas ela não conseguia perdoar Deus por ter levado seu filho. Para ela, aquilo não estava certo.

Retornando para casa naquela noite, me encontrei com meu velho amigo Ricardo, no ônibus, um pouco antes do ponto onde eu iria descer. Conheci o Ricardo na quarta série, estudamos juntos. Era um moleque encapetado. Seu pai tinha um ferro velho no terreno da casa da família, e a turminha da escola o chamava de Ricardo Fidido. Por causa do seu trabalho, ia sempre muito sujo pra escola. Uma vez, ele e o Ederson escreveram um tosco bilhetinho de amor, usando a assinatura da Paulinha, e colocaram no meu estojo. Por causa daquele bilhete, passei os 5 anos seguintes estupidamente apaixonado por uma baixinha que nunca gostou de mim (brincar com os sentimentos de crianças tímidas e sensíveis é algo muito sério). Acho que foi na oitava série que a família do Ricardo foi pra Igreja Universal, o que fez com que tudo mudasse, tipo como naqueles programas do fala que eu te escuto. A partir daí, o Ricardo se tornou um amigo muito melhor.

Sempre gostei muito dele. A pouco mais de um ano ele apareceu em casa, contou que era sócio em uma oficina mecânica, tinha ótimos planos para futuros negócios, e iria se casar. Infelizmente não pude comparecer na cerimônia, mas estava feliz pela felicidade de um amigo.

De volta ao ônibus: Nós iríamos descer no mesmo ponto. Eu disse que estava voltando do cinema, e ele disse que voltava da igreja. Eu disse que tinha viajado pra Minas, e ele disse que não havia viajado, não teve cabeça pra isso agora que sua esposa falecera. Eu engoli em seco. Era dia 02 de janeiro, e sua mulher tinha morrido a 3 dias. Estava internada há mais de um mês, com uma doença que não tive coragem de perguntar. Ele me disse que não estava mais com a oficina, houve uma briga entre os sócios. Tinha arrumado um outro emprego, mas, por ter ficado ao lado de sua companheira em seus últimos dias, faltou demais e foi despedido naquele mesmo 02 de janeiro. Dei meus pêsames, disse pra ele passar em casa quando quisesse, e me despedi com um nó na garganta.

Há dias em que eu fico muito triste. Dias como hoje. Me sinto muito sozinho. Mas meus problemas são ridículos quando comparados a alguém que lidou com a morte da mulher que ama. Imagino que o Ricardo tem perguntado incessantemente a Deus o porquê. Porque matar sua esposa desta forma, no ano novo, no início do casamento? E aposto $10 dólares como Deus se mantém caladinho, enquanto o cara sofre, esperando por respostas que nunca virão.

Esse Deus cristão ocidental não existe. A vida é fragil e fugaz. Todos vão inevitavelmente morrer, incluindo as pessoas que você mais ama. Essas são verdades tão óbvias que eu me impressiono de ficar tão comovido com esse tipo de situação.

Mas acho que isso faz parte do Drama Humano.