sexta-feira, 8 de maio de 2009

parlapatões, patifes e putarias


Na virada cultural deste ano, Mazu, Lou e eu fomos ver uma peça do grupo "parlapatões, patifes e paspalhões. Eu já havia visto o espetáculo "nada de novo", e esperava algo nessa linha. Bobo e divertido. Eles são uma trupe moderna de palhaços, que, como todo palhaço, às vezes é engraçado, às vezes é muito sem graça. Contudo, mesmo quando é sem graça, ainda é bom. Talvez pela figura do palhaço ser bastante dúbia. Enfim, quando tiverem oportunidade, vejam!

Quando entrei na sala, estranhei a quantidade de crianças, já que a outra peça que eu havia visto deles tinha uma porção de palavrões. Mas depois percebi que os desavisados pais acreditam que teatro é um tipo de realização cultural boa para a formação dos filhos. Teatro infantil é bom pra formação das crianças. Teatro adulto é todo putaria. Me lembro de poucas peças onde eu não via claramente um par de peitos, ou um pinto murcho, ou mesmo umas boas dúzias de palavrões.

O espetáculo 'U Fabuliô' é muito divertido, cheio de piadas verbais e visuais sobre sexo, que as vezes soam como desnecessárias. Mas algo interessante sobre o teatro é notar que, em seu local de nascimento, Grécia, as comédias eram recheadas de conteúdo erótico gratuíto. Lendo a obra de Aristófanes, "As Nuvens', vi uma nota do tradutor, dizendo que era comum os atores carregarem, sob a capa, reproduções de pintos, que ao serem mostrados ao público, fazia todos caírem na gargalhada, principalmente as mulheres e crianças. Tá na tradição do teatro.

Ri muito. Talvez pelo sexo ter sido tratado com muito humor, e não com a costumeira seriedade e sissitude imposta pela nossa tradição cristã.

Pra quem interessar, o texto a seguir fala disso:

"Há uma loucura cotidiana talvez mais verdadeira que a dos hospícios. As fantasias que vagam em nossas cabeças são cura e veneno da convivência humana. Se, de um lado, o prazer é um estímulo diário a existência, de outro, a falta de realização pessoal e de insatisfação pode armar-se contra a própria vida. Ao mesmo tempo, se podamos a imaginação perdemos a perspectiva de alcançar satisfação e se não aprendermos a conviver com o fato de que a vida é constituída de outros elementos que não apenas o prazer,podemos mergulhar, aí sem, na loucura de camisa-de-força. Institucional, reconhecida.
Comediantes trabalham com o objetivo de fazer rir, de propiciar prazer. Este prazer pode ser superficial ou profundo, depende do que pretende o comediante, ou mesmo de sua sensibilidade. Para brincar com a insanidade diária, portanto, foi necessário que encontrássemos uma maneira de nos expressarmos que de tão ingênua pudesse ser realmente cruel. Nos fabliaux franceses do século XIII e XIV resvalamos na origem de situações que provocam este tipo de humor. U Fabuliô é um jeito inventado de abrasileirar fabliaux, que em francês quer dizer fábula, um gênero licenciado de fábula. Cruel ao brincar com defuntos e pornográfico ao desnudar o amor de uma mulher por um padre. Enfim, uma pornografia infantil de quem saúda o sexo, de quem o quer presente, vital, profundo: contra uma pornografia industrial, que humilha nossos desejos e fantasias, rasteira, superficial.
A profundidade de uma obra artística pode ser pretendida e não alcançada. Em geral, isto acontece quando o artista perde seu poder de comunicação com o público. Saímos então das salas escuras e vamos aos espaços abertos, situamos nossa farsa num lugar qualquer do nordeste brasileiro, mas que poderia acontecer em qualquer outro lugar. Falamos olho-no-lho com o nosso público, brincamos com ele na expectativa de que reaprenda a brincar, que possa ser cruel e pornograficamente infantil. Quem sabe assim passemos todos a enxergar de outro ângulo as nossas loucuras diárias."

Hugo Possolo

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