sexta-feira, 7 de maio de 2010

memórias [ou, sobre timidez]

Acabei de ver um filme bonito demais, que me fez lembrar de um bocado de coisas. O filme se chama A Garota Ideal, e conta a história de um sujeito de 27 anos, muito gentil e extrememente tímido. Ele tem dificuldades imensas em manter contato com qualquer pessoa que seja, inclusive o irmão. Até que um dia ele traz pra casa uma garota. Mas não uma garota comum. Trata-se de uma boneca de plástico.

Tem uma cena interessante, onde ele revela pra psicóloga que sente dor quando as pessoas tocam nele. O contato provoca uma dor, como a queimadura. E em diversas ocasiões, quando num ambiente cheio de gente, seu rosto fica vermelho e seus olhos lacrimejam.

Eu me lembro de ser uma criança extremamente tímida. Extremamente. Não conseguia conversar com os adultos. Tinha vergonha de pedir pra Tia do pré me deixar ir no banheiro. Tinha vergonha das crianças rindo da minha língua presa, e do jeito engraçado como eu pronunciava o 'r'. Uma vez o papai me levou na casa de uns primos dele, e eu não quis sair do carro. Estava com uma vergonha petrificante de ser apresentado a desconhecidos. Ele ficou bravo comigo. Depois de um tempo, alguém veio me buscar. Enquanto entrava na casa, com o rosto em brasa e os olhos cheios de lágrimas, algumas crianças que brincavam ficaram me encarando.

Na escola as coisas não melhoraram. Eu sempre fui o melhor aluno da sala, e acho que rolava uma certa hostilidade das outras crianças comigo. A única criança com quem brincava era o Fernando, desde sempre meu melhor amigo. Num dia a mãe dele o levava em casa, e daí brincávamos na goiabeira, na casa da árvore que tinha lá. Brincávamos de bichos, e eu lembro que eu era o Morcego. Ou brincávamos de X-men. Eu sempre era o Wolverine. O Jefferson também brincava com a gente. E no dia seguinte a mamãe me levava na casa do Fernando, e a gente ficava pegando caramujo, pois eram caramujos com a casinha diferente das que tinham no meu quintal, e brincávamos com os bonecos dele, eu me lembro que ele tinha um do Predador, que o tio dele tinha trazido dos Estados Unidos.

Eu era seguro no meu mundo restrito.
Mas o que vinha de fora sempre me deixou desconfortável.

Na quarta série eu me apaixonei por uma menina. Tinha uma vergonha imensa de ficar perto dela, não conseguia nem olhar pra ela direito. Foi um amor escravizante. Só consegui conversar com ela pela primeira vez na oitava série. Falamos uns 40 minutos sobre filmes. Ela me disse "vc é legal, William. A gente precisa conversar mais".

4 anos.

No ensino médio, me apaixonei por outra garota. Dessa vez não podia repetir o mesmo erro. Conversava muito com ela. Mas acabei por me tornar meio inconveniente. Mesmo com tanta conversa, não conseguia dizer o que sentia. Depois de 2 anos, escrevi uma carta a ela, dizendo o quanto a amava. Passaram-se 6 meses sem nenhuma resposta. Até que nos encontramos, meio que sem querer. Ela então me disse que eu era um cara legal, mas ela não gostava de mim daquele jeito. Eu tremia, suava em bicas, e queria muito chorar. Mas mantive a calma.

Tive que dar um jeito nessa timidez.
Se não ia acabar como o personagem do filme.
Um bom rapaz, que todos gostam. Mas sozinho.

Livros de auto-ajuda, livros de psicologia, alguns manuais de vendas e gerenciamento, manual de líderes, livros e cds de oratória, Maquiavel, e muitos, muitos filmes. Demorou uns 3 anos, mas eu entendi como as pessoas funcionavam.

A timidez se foi.
Mas, sei lá, uma vez rapaz tímido, sempre rapaz tímido.
A percepção do mundo não muda. É um tipo de sensibilidade que vem com vc.

Enfim, pra terminar, hoje estou com 25 e sinto que ainda não sei nada sobre nada. Tudo que eu achei que tinha aprendido, bem, talvez seja preciso aprender de novo.

Ou desaprender.

3 comentários:

Anônimo disse...

Will, gostei desse post, já tinha visto uma crítica a esse filme e fiquei com vontade de ver, bom vc falar dele aqui pq me lembrei de baixá-lo! Qto a vc ser um garoto mto tímido antes e ter conseguido driblar tanta timidez, acho que fez isto mto bem (nota-se pelo tanto de amigos que tem e tanto de pessoas que o admiram pela simpatia em boa medida)! Tb fui uma menina mto tímida, mas com pessoas da minha idade. Sempre gostei mais dos adultos, achava crianças (adolescentes principalmente) mto cruéis. E, com pessoas que a gente acaba gostando, é comum ter vergonha de se abrir, se bem que não deveria ser assim, é bom falar que amamos e escutar de quem se ama, mesmo não sendo recíproco...a gente tem muito medo de escutar um "não"!

-Rol disse...

Eu sumi só um pouquinho. Ando meio cavernosa pra falar a verdade.
Legal essa coisa de crianca timida. Eu até era sim, uma crianca timida. Mas com o tempo eu percebi que o mundo nao era dos timidos, e sim dos extrovertidos e espertos. Ou seja, passei boa parte da minha vida sendo passada pra tras :)

Luther Blisset disse...

Post interessante. Tua escrita é agradável, Will.
Adicionarei esse livro à minha lista de filmes a assistir.