Poderia titular esta resenha como "o eterno retorno de uma adolescência patética", ou "previsibilidade de um gauche". Há 2 dias tive minha primeira experiência de estágio. Cumprindo um trabalho na disciplina de Educação, acompanhei uma turma de sexta série, no que totalizará 30 horas de acompanhamento.
Estava de certa forma ansioso, o novo sempre me preocupa, mas fui bem recebido pelos professores, o que é um ótimo começo. Mas vamos às crianças: 17 garotas e 13 garotos, com idades entre onze e doze anos. Incrível como são incapazes de fazer silêncio. Eles não falam, gritam. Não tinha nenhuma turma do fundão, como no meu tempo, mas algumas coisas nunca mudam: os hiperativos que correm initerruptamente de um lado pro outro, as meninas que passam o dia fazendo aquelas listas do tipo "quem você levaria para uma ilha deserta", os ultra-quietos, as inteligentes que sentam lá na frente, o gordo, a dupla que só conversa e não faz lição.
Acho que a escola é legal como ambiente de interação, um espaço de convívio com pessoas da idade deles. Estão na fase de curtir os mesmos tipos de música (geralmente ruim); fazem brincadeiras de criança, mas não se rotulam como tais; têm um certo senso de dever e responsabilidade, copiam a lição, tendo esmero com seus cadernos. Mas tudo que fazem é uma questão de hábito.
Por exemplo, o professor escreveu na lousa uma série de respostas à algumas questões. Uma delas era de caráter pessoal. Muitos reclamaram que esta tal resposta não foi escrita na lousa, pois, para eles, a coisa tem que ser seguida à risca. Não há nada de libertário nesse comportamento. É apenas bagunça. É apenas seguir regras, manter a rotina.
De todos os alunos, a que mais se aproximou de mim foi uma menina magrelinha chamada Hellen. Com sorriso cativante e postura atrevida, explicava o mundo de sua sala e fazia milhões de perguntas. A comparação com a Paulinha foi inevitável. Paulinha. Descobri o gosto amargo do amor com a Paulinha, menina pela qual fui fielmente apaixonado da quarta à oitava série. Ela era legal, mas nunca me deu bola. Cara, como aquilo era ruim. Dos 10 aos 14 anos, nunca pensei em nenhuma outra menina que não fosse ela. Não era bonita, mas achava que era a fonte de toda a paz que eu precisava naqueles duros anos de puberdade.
De manhã até a noite. Só ela preenchia meus ingênuos pensamentos e fazia meu virgem coração bater mais forte. Em retrospecto, não vejo nenhuma arte, nenhuma beleza, somente delírio e solidão, somente situações que me causavam dor e sofrimento. Afinal, passar o início da adolescência se sentindo um inútil defeituoso não é nem um pouco saudável.
E o patético é, se voltasse a ser o tímido garoto de 12 anos, me apaixonaria pela Hellen, seria firmemente rejeitado, mas permaneceria cultivando esse amor, como um doente cultiva seu tumor.
quarta-feira, 29 de agosto de 2007
terça-feira, 28 de agosto de 2007
no limite da realidade
No filme "Quase Dois Irmãos" da brasileira Lúcia Murat, há uma frase chave que legitimou um pensamento que sempre tive comigo: "todos nós temos duas vidas: uma a que vivemos, e outra que sonhamos".
Simples e Genial. A vida que vivo (ou que penso que vivo) está precariamente sustentada por alguns pressupostos, como por exemplo que estou acordado, e não sonhando enquanto durmo; e que os meus sentidos não me enganam quanto às informações que recebo acerca da realidade. Mas o que importa é que acredito que existo, que estou vivo. Tenho minha vida. Mas quando viajo nas idéias, como dirigir um filme, tocar com os Los Hermanos ou ouvir um "eu te amo" da Karina Bacchi, aí sim eu me sinto vivo de verdade. Como a mulher daquele filme do Woody Allen, "A Rosa Púrpura do Cairo"
Afinal, o que seria da vida sem o brilhante anarquismo ateu do Saramago (não consigo imaginar a vida sem "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" ou "Ensaio Sobre a Cegueira"), ou o colorido minimalismo do tcheco Milan Kundera? A visão gélida e calorosa, contudo implacável de uma Clarisse Lispector ou os tormentos sexuais e intelectuais do protagonista de "Furia", do Rushidie. Como viver sem eles? Brás Cubas, Codinome V, Raskólnikov! São minhas vidas, minhas queridas vidas paralelas. Tão importantes quanto a real. Através delas eu vivi, morri, amei e matei.
Como desprezar o olhar de Mônica, que nos desnuda, naquele antigo filme do Bergman? Ou não tremer com o flashback da morte do irmão do Charles Bronson nas mãos do terrível Henry Fonda? Como permanecer insensível aos velhos fotogramas deixados por Alfredo, às peças pregadas pelos "amici miei", à beleza inatingível da Audrey Hepburn, aos tombos de Carlitos, o ódio de Tony Montana, à revolta da tripulação do Potemkin? Aos sonhos do Kurosawa, à demência do último Glauber, ao amor tão vermelho e pulsante entre o escritor e Satine, e ao horror dos zumbis de Romero? Ver o Babenco brincando nos campos do Senhor, Coppola enlouquecendo no Apocalipse, Bergman torturado suas mulheres, Almodóvar estuprando Kika (e também a nós, todos nós), de Niro saindo de seu táxi e mandando bala nos cafetões, Godard anarquizando com Belmondo em seu Acossado, e a musa blasé Anna Karina (Ah, Anna Karina!).
Uma vida não pode ser taxada de sem-graça se tem o grito de Janet Leigh orquestrado por Hitchcock, a crise ética dos assassinos judeus de Munique, os lindos pés descalços de Mia Wallace, o Cristo de Scorsese, o medo da morte de Hall, o final sem esperanças dos Incompreendidos de Truffaut, a suntuosidade da nobreza de Visconti, a insanidade sangrenta de Bala na Cabeça, de Woo, os caminhos de Kiarostami ou o vazio existencial do Antonioni.
Todos nós temos duas vidas: uma a que vivemos. Outra, a que sonhamos. Não me pergunte qual das duas eu prefiro.
Simples e Genial. A vida que vivo (ou que penso que vivo) está precariamente sustentada por alguns pressupostos, como por exemplo que estou acordado, e não sonhando enquanto durmo; e que os meus sentidos não me enganam quanto às informações que recebo acerca da realidade. Mas o que importa é que acredito que existo, que estou vivo. Tenho minha vida. Mas quando viajo nas idéias, como dirigir um filme, tocar com os Los Hermanos ou ouvir um "eu te amo" da Karina Bacchi, aí sim eu me sinto vivo de verdade. Como a mulher daquele filme do Woody Allen, "A Rosa Púrpura do Cairo"
Afinal, o que seria da vida sem o brilhante anarquismo ateu do Saramago (não consigo imaginar a vida sem "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" ou "Ensaio Sobre a Cegueira"), ou o colorido minimalismo do tcheco Milan Kundera? A visão gélida e calorosa, contudo implacável de uma Clarisse Lispector ou os tormentos sexuais e intelectuais do protagonista de "Furia", do Rushidie. Como viver sem eles? Brás Cubas, Codinome V, Raskólnikov! São minhas vidas, minhas queridas vidas paralelas. Tão importantes quanto a real. Através delas eu vivi, morri, amei e matei.
Como desprezar o olhar de Mônica, que nos desnuda, naquele antigo filme do Bergman? Ou não tremer com o flashback da morte do irmão do Charles Bronson nas mãos do terrível Henry Fonda? Como permanecer insensível aos velhos fotogramas deixados por Alfredo, às peças pregadas pelos "amici miei", à beleza inatingível da Audrey Hepburn, aos tombos de Carlitos, o ódio de Tony Montana, à revolta da tripulação do Potemkin? Aos sonhos do Kurosawa, à demência do último Glauber, ao amor tão vermelho e pulsante entre o escritor e Satine, e ao horror dos zumbis de Romero? Ver o Babenco brincando nos campos do Senhor, Coppola enlouquecendo no Apocalipse, Bergman torturado suas mulheres, Almodóvar estuprando Kika (e também a nós, todos nós), de Niro saindo de seu táxi e mandando bala nos cafetões, Godard anarquizando com Belmondo em seu Acossado, e a musa blasé Anna Karina (Ah, Anna Karina!).
Uma vida não pode ser taxada de sem-graça se tem o grito de Janet Leigh orquestrado por Hitchcock, a crise ética dos assassinos judeus de Munique, os lindos pés descalços de Mia Wallace, o Cristo de Scorsese, o medo da morte de Hall, o final sem esperanças dos Incompreendidos de Truffaut, a suntuosidade da nobreza de Visconti, a insanidade sangrenta de Bala na Cabeça, de Woo, os caminhos de Kiarostami ou o vazio existencial do Antonioni.
Todos nós temos duas vidas: uma a que vivemos. Outra, a que sonhamos. Não me pergunte qual das duas eu prefiro.
segunda-feira, 20 de agosto de 2007
amor e máfia
A coisa que mais impressiona no primeiro O Poderoso Chefão é a frase proferida pelo Dom: "um homem que não dá atenção à sua família nunca será um homem de verdade". Sempre achei que toda a saga girava em torno desta idéia, mas revendo a terceira parte, notei que o buraco é mais embaixo.
Ao fim da trilogia, Michel Corleone desce ao inferno. Em linhas gerais, esse é o quadro desta verdadeira tragédia shakesperiana: o dever o levou a matar seu irmão mais velho, sua esposa o abandonou, e sua filha foi morta em seu lugar. À beira da morte, sozinho, num velho casarão da Sicília, sua memória passeia pelos momentos felizes de sua vida. Embalado por um bela e tristíssima valsa, Michel dança com sua filha Marie. Logo depois Appolonia, sua esposa siciliana. E por fim Kay, a esposa americana e mãe de seus filhos.
Ora, quando sua vida está arruinada e a morte lhe convida para partir, não é de seu pai que Michel se lembra - aliás, de longe, a figura mais forte da trilogia. Nem da mãe. Nem de seu filho homem. Suas lembranças não são tomadas por qualquer dos irmãos, amigos, aliados, inimigos, por deus ou pelo diabo. No fim, restaram as lembranças das mulheres que amou. As mulheres de sua vida.
Bem, acho que no fim é isso mesmo. Para os grandes homens, sempre há uma figura feminina decisiva. Talvez porque o amor seja o único elemento que mesmo o mais sóbrio e controlado dos homens é incapaz de controlar.
Como ainda estou longe de ser um grande homem, espero pacientemente no meu canto, sossegado, a mulher que irá preencher o vazio de meus últimos dias, desfilando no palco de minhas memórias, no triste, frio e amargo dia de minha morte.
Ao fim da trilogia, Michel Corleone desce ao inferno. Em linhas gerais, esse é o quadro desta verdadeira tragédia shakesperiana: o dever o levou a matar seu irmão mais velho, sua esposa o abandonou, e sua filha foi morta em seu lugar. À beira da morte, sozinho, num velho casarão da Sicília, sua memória passeia pelos momentos felizes de sua vida. Embalado por um bela e tristíssima valsa, Michel dança com sua filha Marie. Logo depois Appolonia, sua esposa siciliana. E por fim Kay, a esposa americana e mãe de seus filhos.
Ora, quando sua vida está arruinada e a morte lhe convida para partir, não é de seu pai que Michel se lembra - aliás, de longe, a figura mais forte da trilogia. Nem da mãe. Nem de seu filho homem. Suas lembranças não são tomadas por qualquer dos irmãos, amigos, aliados, inimigos, por deus ou pelo diabo. No fim, restaram as lembranças das mulheres que amou. As mulheres de sua vida.
Bem, acho que no fim é isso mesmo. Para os grandes homens, sempre há uma figura feminina decisiva. Talvez porque o amor seja o único elemento que mesmo o mais sóbrio e controlado dos homens é incapaz de controlar.
Como ainda estou longe de ser um grande homem, espero pacientemente no meu canto, sossegado, a mulher que irá preencher o vazio de meus últimos dias, desfilando no palco de minhas memórias, no triste, frio e amargo dia de minha morte.
Assinar:
Postagens (Atom)