quarta-feira, 25 de novembro de 2009

um 'recorta e cola', sobre a extradição de Cesari Battisti

Bem, se interessar a alguém, deixo a seguir dois textos, um de meu professor Marcos Nobre, o outro de um filósofo francês, Bernard-Henri Lévy. Os dois falam sobre o caso de Cesari Battisti. Ambos foram publicados pelo jornal Folha de São Paulo, que, por mais reacionário que se mostre, ainda é um dos poucos grandes jornais (talvez o único) a abrir espaço para a expressão de diferentes pontos de vista.

"Carta aberta ao presidente Lula sobre Battisti
BERNARD-HENRI LÉVY
25/11/09
PREZADO presidente Lula, Sei bem que o debate sobre o caso Cesare Battisti, antigo militante dos Proletários Armados pelo Comunismo, acusado de atos de terrorismo na Itália dos anos 70, tem despertado paixões no seu país.
Também sei que o jogo das instituições brasileiras, o esgotamento dos procedimentos previstos na sua democracia e a decisão apertada a favor da extradição, tomada pelo Supremo Tribunal Federal após longo julgamento, fazem com que agora caiba ao senhor, e ao senhor apenas, o poder de decidir se esse antigo militante, que se tornou um escritor de sucesso, deve ou não ser entregue à Itália.
Senhor presidente, inicialmente gostaria de lhe dizer que ninguém mais do que eu tem horror ao terrorismo. E desejo deixar claro que a luta contra esse terrorismo, a luta contra o direito que alguns se atribuem, nas democracias, de fazerem a lei eles próprios e de recorrerem às armas para fazer com que suas vozes sejam ouvidas é uma das constantes, senão a constante, de toda a minha vida de homem e de intelectual.
No entanto, se me dirijo a Vossa Excelência, é exatamente porque não está provado que Cesare seja esse terrorista que uma parte da imprensa italiana descreve e que, se tivesse cometido tais crimes, não mereceria nenhuma indulgência.
Ele foi condenado como tal, eu bem o sei, por um tribunal legalmente instituído, num país cujo caráter democrático não imagino, em nenhum momento, colocar em dúvida. Mas até as melhores democracias (a França sabe disso, pois, durante a guerra da Argélia, tomou liberdades com a liberdade, e os EUA de Bush, após o 11 de Setembro...) podem incorrer em erros e cometer injustiças.
O processo de Cesare Battisti, esse processo que o reconheceu culpado há 21 anos pelas mortes de Santoro e Campagna, levanta, nessa circunstância, ao menos três questões às quais um homem imbuído de justiça e de direito não pode ficar insensível.
A primeira diz respeito ao testemunho e às provas produzidas pela acusação e a partir do que Battisti foi condenado: trata-se, essencialmente, do testemunho de um arrependido, quer dizer, de um verdadeiro criminoso que trocou, à época, sua própria condenação pela denúncia premiada de alguns de seus camaradas.
Battisti havia fugido para o México e, depois, para a França quando o arrependido Pietro Mutti imputou-lhe a totalidades dos crimes da organização em que militavam. Todos os observadores que tiveram conhecimento do caso não acreditam ser possível nem verossímil que um jovem de 20 anos tenha cometido tais crimes.
A segunda questão diz respeito a um principio da Justiça italiana e ao fato de que, diferentemente do que se passa em vosso país ou no meu, os condenados à revelia não têm, mesmo se forem capturados, se se entregarem ou se forem extraditados, direito a um novo processo no qual possam se defender.
Assim, se Vossa Excelência decidir recusar a Battisti o status de refugiado e deixar, então, que ocorra o procedimento de extradição, ele irá, logo que voltar à Itália, direto para a prisão (perpétua, já que tal é a pena a que foi condenado, sem apelação, no processo à sua revelia) e será o único condenado à prisão perpétua que jamais terá tido a possibilidade de se encontrar com seus juízes para confrontá-los e responder, pessoalmente, cara a cara, a respeito dos crimes que lhe são imputados.
E acrescento, finalmente, esse detalhe sobre o qual o mínimo que se pode dizer é que não é apenas um detalhe: Battisti nega os crimes que lhe são imputados. Numerosos são os seus colegas escritores e numerosos são os juristas que, após o exame do processo, acreditam ser plausível sua inocência. De sorte que corremos o risco de ver terminar seus dias na prisão um homem cujo único crime seria, nesse caso, ter acreditado, durante sua juventude, nas teorias da violência revolucionária.
Eu amo o Brasil, sr. presidente. Amo o exemplo que ele dá ao mundo de uma política fiel aos ideais progressistas e, ao mesmo tempo, aos princípios de equilíbrio e sabedoria. Eu ficaria consternado -somos muitos que ficaríamos consternados- de ver "nosso" Lula macular a tradição de acolher os refugiados, que é um dos orgulhos de seu país.
Extraditar Battisti criaria um perigoso precedente. Não extraditá-lo mostraria ao mundo, que tem os olhos voltados para o Brasil e para Vossa Excelência, que existem princípios que nem a razão de Estado nem a lógica dos monstros sem emoção podem suplantar. Eu peço a Vossa Excelência que aceite, senhor presidente, a expressão de minha simpatia, de minha admiração e de minha esperança. Atenciosamente,

BERNARD-HENRI LÉVY, escritor e filósofo francês, é fundador da revista "La Règle du Jeu" e colunista da revista "Le Point" e de diversos jornais em diferentes países.

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Battisti
Marcos Nobre
17/11/09
AMANHÃ SERÁ retomado e provavelmente decidido o caso Cesare Battisti. O processo tem provocado divisões acirradas e decisões apertadas em grande medida porque muitas vezes não se sabe ao certo o que realmente está em causa. Principalmente depois que os argumentos do ministro da Justiça para conceder o refúgio embaralharam os termos do debate público e do próprio julgamento no STF.
Com a concessão do refúgio, o problema deixou de ser apenas o da natureza do crime, se político ou comum. No âmbito externo, virou uma disputa sobre a natureza da relação de dois países democráticos soberanos que mantêm entre si um tratado de extradição. No âmbito interno, passou a ser uma decisão sobre a própria separação de Poderes, sobre os limites dos Poderes Executivo e Judiciário. Não é à toa que os votos dos ministros do STF até agora tenham escolhido focos, problemas e fundamentações de decisão diversos.
Mas a natureza política dos crimes eventualmente cometidos permanece central. O próprio pedido de extradição feito pela Itália afirma a intenção política dos atos cometidos. E, de acordo com o tratado em vigor, o reconhecimento do caráter político do ato impõe automaticamente o indeferimento da extradição.
Uma sociedade democrática não pode vacilar em responsabilizar criminosos políticos. Todo e qualquer ato que atente contra a democracia deve ser considerado crime, e os eventuais autores devem ser processados e responsabilizados segundo o devido processo legal próprio de um Estado democrático de Direito. Mas há uma diferença importante a observar aqui.
É político o ato terrorista que pretende desestabilizar uma democracia em nome de uma outra forma de governo, seja ela teocrática, seja ela de outra natureza. Para um tal tipo de crime político não deve haver qualquer atenuante.
Mas esse caso de atentado contra a democracia não deve ser confundido com o crime político cometido em nome de pretensas limitações da democracia existente, em nome de uma democracia que o autor do crime não vê se realizar de fato.
Ao responsabilizá-lo pelo crime de não ter buscado ampliar a democracia por meios democráticos, a sociedade democrática deve lembrar ao mesmo tempo das suas próprias origens nas revoluções do século 18 e nas lutas políticas por vezes violentas que a moldam até hoje. Deve lembrar que não pode sobreviver se não se democratizar cada vez mais, se não permanecer fiel ao impulso que a produziu. É essa lembrança que deveria impedir a extradição, por motivos políticos, de Cesare Battisti."

Um comentário:

anônimo disse...

Sim, caros amigos, mas antes de partirmos para uma tomada de posição radical, devemos lembrar q trata-se de um estrangeiro julgado e condenado por crime tipificado em juízo como crime comum, pelo seu país de origem (pelas instituições democráticas, as quais representam toda uma sociedade), o qual além de tudo é democrático, e por consequência tem suas leis próprias, suas tradições e jurisprudências, que refletem seu estatus de soberano. Ao questionar seus métodos, usando a nossa soberania para isso, estamos inequívocamente declarando, presunçosamente, q a nossa democracia é superior à deles... O resultado disso seria a subjugação de uma soberania por outra. Ou seja, estaríamos utilizando o nosso poder de destinação, tomada de rumos, para suplantar o poder de outra nação igualmente soberana. O q dentro no âmbito da diplomacia é um precedente perigoso, já que diante dos princípios diplomáticos paira acima de tudo, a igualdade entre as soberanias. Sem o q aliás, seria impossível haver diplomacia... Seria fácil prever a onda de incidentes diplomáticos em q o Brasil estaria entrando após essa inconsequência? Imagine se essa moda pega??? Então, concluo q, todas as análises em contrário só podem estar sob o manto irresponsável das paixões..