sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

um texto perdido sobre coisas desencontradas, ou sobre como eu deveria agradeçer mais à vida por ter conhecido a Mazu

Vasculhando em minhas coisas, descobri um texto inédito e inacabado, em duas versões levemente diferentes. Ia jogá-los fora, mas daí achei que algumas coisas valiam a pena, então, vou postar aqui. Foram escritos provavelmente dia 26 de junho, e, como as duas versões são levemente distintas, irei postar as duas.

[versão 1]
Acabo de assistir ao derradeiro capítulo do Aprendiz 5 - O Sócio. Desligo o televisor e fito a tela apagada à minha frente. Não era a vitória do Clodoaldo o que permeava meus pensamentos naquele momento, mas algo um cadinho mais pessoal: se a minha vida fosse um reality show do Justus, eu já teria sido demitido logo no início. Porquê? Vou me esforçar para explicar, da forma mais indireta e prolixa possível.

Há algumas semanas ocorreu uma eliminação no programa que me chamou a atenção. Ao ser indagado acerca de quais seriam seus planos para o futuro, o concorrente repondeu, ingênuamente, que pretendia se aposentar aos cinquenta anos e, em seguida, cuidar de um vinícula. O Roberto Justus só faltou subir pelas paredes. O rapaz foi abortado da competição porque, segundo o ex-futuro patrão, "pensava pequeno". Ao se retirar do programa, lamentava sua saída, porque foi uma frase, somente uma frase, que o tirou da disputa, do sonho dos dois milhões de reais. Foi um pequeno detalhe. Aparentemente insignificante.

Há alguns dias, um sujeito que se julgava conhecedor das mulheres descobriu que não entendia nada sobre o universo feminino. E essa constatação veio da forma mais desagradável e tola que se pode imaginar. Ele deveria ter se lembrado daquela máxima: comentários machistas só são proferidos entre homens, em uma mesa de bar. Era óbvio que ia dar merda bancar o malandrão perto de sua garota. Erro feio. Infantil. Daqueles que comovem quem o assiste, tamanha ingenuidade. Uma frase mal dita. Um gesto quase imperceptível, aparentemente inócuo, porém portador de grande carga hostil. Um copo de cólera. O rapaz achou que se tratava de algo pequeno, e realmente era. Pena que descobriu tarde demais que são as pequenas coisas que magoam, que machucam de verdade.

[Há uma citação escrita no final da folha]
"Não andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestuário? Olhai para as aves do céu; não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros, e contudo, o vosso Pai Celistial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas? Qual de vós poderá, com as suas preocupações, acrescentar uma única hora ao curso da sua vida?"
Jesus



[versão 2]
Acabei de assistir ao último capítulo do programa O Aprendiz, entretanto, não era a decisão de quem seria o sócio do Roberto Justus que me preocupava. A situação já havia se dilineado na minha mente: se minha vida fosse um espisódio do aprendiz, eu já teria sido demitido. Para aqueles que esperam explicações, sinto informar, mas acho que digressões são bem mais interessantes.

Há algumas semanas, um dos concorrentes do já referido programa da record foi eliminado porque, ao ser perguntado o que esperava do futuro, respondeu que planejava se aposentar com cinquenta anos e, depois disso, cuidar de uma vinícula. A resposta causou desespero em Justos. O rapaz foi eliminado do jogo porque "pensava pequeno". Ao sair do programa, se lamentava porque, segundo disse, foi uma frase, somente uma frase que o tirou da disputa, do sonho de 2 milhões de reais. Foi um pequeno detalhe, aparentemente insignificante.

Agora, como já se tornou um hábito neste blog, vou transferir o mesmo princípio para o campo dos relacionamentos. Muitas vezes, não são as grandes mancadas as responsáveis pelos maiores abalos de uma relação. Traições, bolos, humilhações. Nada disso. As vezes é somente uma frase mal dita. Um quase imperceptível gesto hostil. Uma pequena omissão. Uma maldita frase impensada. Não se trata de forma alguma de classificar essas ocorrências como tempestadess em copo d´agua, mas de entender o real sentido da teoria do caos. Bem, acho que já ficou claro que eu escrevi esse texto porque disse o que nao devia. E também acho que tá claro que eu não fiz isso por mal. Achei que se tratava de algo pequeno, sem importância. Mas são essas pequenas coisas que magoam, que machucam de verdade.

Então vi o filme do Sean Penn, na natureza selvagem. Um filme poético, muito bonito. De certa forma, perturbador. Em certo memento, o protagonista do filme tem uma revelação de grande sabedoria: "só há verdadeira alegria quando ela pode ser compartilhada". Para ele, a alegria era se sentir livre. Sem as amarras da sociedade. Junto da terra, do frio, do rio. Vivenciar outro tempo. Entrar em contato com um outro eu. Se tornar espiritualmente elevado. E, quando eu penso nessa concepção de natureza, sempre me vem à cabeça o conceito do Deus das pequenas coisas. Um deus que controla os pequenos detalhes maravilhosos da criação. Às vezes o meu desejo é servi-lo. Romper com minhas raízes e buscar na estrada o outro eu que existe dentro de mim. E então eu penso: eu realmente já encontrei meu caminho? Ou eu me acomodei na vida? Teria eu optado pelo caminho da mediocridade, ou minhas conquistas são fruto de maturidade?

Dúvidas e mais dúvidas. Questões e arrependimentos. Já se disse muito que a vida é uma peça de teatro onde não há ensaio. Todas as decisões são definitivas, irrevogáveis. A decisão certa te fará um vencedor. A outra opção só te trará amargura. Pode parecer simples, mas as regras do jogo são vagas e obscuras.

Não me resta saída senão rogar sabedoria ao Deus das pequenas coisas.

[fim das versões]

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