Enquanto dou uma pausa na leitura de O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e aguardo o resultado do paredão do Big Brother, tento retornar mentalmente ao início de minha adolescência. Qual seria o marco zero, o ponto a partir do qual a infância termina e a louca fase seguinte começa? Um biólogo me responderia que é logo após a puberdade. Mas o que me interessa agora é algo mais sutil, menos evidente, e no entanto de uma importância capital. Estou pensando em uma questão que atravessou toda a minha adolescência e creio ser comum a maioria das pessoas, a famigerada interrogação "quem sou eu?".
A coisa mais básica que alguém pode querer na vida é a certeza de sua própria existência. Mas de que adianta possuir um eu, se não se sabe exatamente o que é esse eu? Desde muito cedo Deus me confortava, eu havia aceitado Jesus Cristo no meu coração, como Senhor e Salvador pessoal, me tornando assim um Filho de Deus. Mas aos poucos isso foi me parecendo insuficiente. Às vezes eu me sentia abandonado pelo Criador, num mundo que carecia de significado. Procurei respostas no cinema e me tornei um cinéfilo. Mas aos poucos percebi que os filmes são uma representação da realidade, não a própria realidade. Viver à margem do mundo era confortável, mas a alienação me incomodava. Durante alguns anos, passei a usar diversas personalidades, até encontrar aquela que melhor se encaixava em mim. Me tornei aquilo que sempre fui: um rapaz bonzinho. Até que me toquei que as mulheres tem nojo de homens assim.
Enfim, algum tempo se passou até que eu me centrasse, ou melhor, até que eu me acostumasse à idéia de possuir um centro, um ego, um eu uno que regia um corpo e uma vida. As escolhas que fiz na adolescência (mulheres, amigos, estudos, trabalho) e o meio em que vivi foram ditando a pessoa que me tornei. Chegou um momento em que eu já podia me definir. A crise de identidade enfim havia acabado.
Ora, eu não podia estar mais equivocado.
A essência que controla o meu corpo - que pode ser chamada de alma, psiquê ou espírito - não me parece mais ser uma, mas muitas. Não existe uma natureza, um eu, uma unidade que é conhecida como William. O que vocês conhecem como William são várias naturezas, um feixe de eus, uma pluralidade que se alterna para dar vida ao meu corpo. O ego é uma ficção. O que existe é uma multiplicidade de desejos e estados.
O cristianismo já apontava para algo assim ao afirmar que temos duas naturezas: a carnal e a espiritual. Mas duas naturezas ainda são insuficientes para se explicar o que é o homem. Há centenas de outras naturezas, cada uma brigando com a outra para ver quem assumirá o controle.
Dentro de alguns meses eu completo 23 anos (interessante notar que eu já estou vivendo meus 23 anos, e que quando comemorar oficialmente o aniversário de 23, começarei a viver meu vigésimo quarto ano), sou sócio de uma pequena empresa, aço faculdade e planejo comprar uma casa. Tudo parece sob controle, mas a questão insiste em voltar.
Quem sou eu?
domingo, 27 de janeiro de 2008
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
sobre deus
Este post foi escrito para esclarecer as minhas posições pessoais quanto a figura de Deus, que acredito não ter ficado suficiente claras no texto anterior.
Primeiramente, é necessário dizer que tive uma formação cristã-protestante, e que estudei a Bíblia dos 8 aos 18 anos, na Igreja Batista. Tive o privilégio de conhecer pastores fantásticos, alguns deles ilustres teólogos. Eu vivia constantemente em oração, e acreditava que Deus tinha traçado um plano para a minha vida. Cabia a mim ouvir o seu chamado e obedecer. Tudo me levava ao curso de Teologia na Faculdade Teológica Batista de Campinas, onde eu tinha planos de me formar e me tornar um missionário. Em meu coração, sentia que Deus me queira na África, trabalhando entre as comunidades necessitadas.
Caramba, parece que faz tanto tempo! Lembrar disso mexeu comigo. Naquela época - eu tinha uns 16 anos - meus amigos me diziam que eu deveria estudar cinema. Mas eu estava decidido a sufocar meus desejos pessoais e ouvir o chamado de Deus. Um dia eu li um livro chamado O Mundo de Sofia, e aprendi o que era a filosofia. Descobri que eu não era o único a pensar sobre aquilo que não tem resposta, e que a Bíblia não era a única fonte possível de conhecimento.
Não demorou muito para eu deixar de ir à igreja, começar a beber, perder a virgindade, experimentar drogas, ir a shows de rock e cursar Filosofia na Unicamp. (não necessariamente nessa ordem).
Até hoje nunca cheguei a negar Deus. Nunca me considerei um ateu. Prefiro me classificar como agnóstico. Mas não acredito naquele mesmo Deus que acreditava antes. Meu conceito de Deus é aquele a partir do qual tudo surgiu, e que sem ele nada pode existir. Uma concepção bem aristotélica, diga-se de passagem.
Memo assim, ainda guardo com carinho na memória as histórias do fascinate Deus dos judeus, um Deus guerreiro, ciumento, justo e vingativo, que inspira medo e respeito. Eu o considero um brilhante personagem literário (quem já leu o antigo testamento ou o evangelho segundo jesus cristo, do José Saramago, sabe do que estou dizendo), verdadeiramente fascinante, e frequentemente faço uso de sua figura, em busca de uma explicação mais teatral para a realidade. Mas eu concordo com todos os pontos colocados pelo João e o Harry nos comentários ao meu post anterior.
Rubem Alves escreveu algo que me fez pensar um bocado: "um Deus que cria uma câmara de tortura chamada Inferno não merece o meu respeito, muito menos o meu amor".
Fóda.
Primeiramente, é necessário dizer que tive uma formação cristã-protestante, e que estudei a Bíblia dos 8 aos 18 anos, na Igreja Batista. Tive o privilégio de conhecer pastores fantásticos, alguns deles ilustres teólogos. Eu vivia constantemente em oração, e acreditava que Deus tinha traçado um plano para a minha vida. Cabia a mim ouvir o seu chamado e obedecer. Tudo me levava ao curso de Teologia na Faculdade Teológica Batista de Campinas, onde eu tinha planos de me formar e me tornar um missionário. Em meu coração, sentia que Deus me queira na África, trabalhando entre as comunidades necessitadas.
Caramba, parece que faz tanto tempo! Lembrar disso mexeu comigo. Naquela época - eu tinha uns 16 anos - meus amigos me diziam que eu deveria estudar cinema. Mas eu estava decidido a sufocar meus desejos pessoais e ouvir o chamado de Deus. Um dia eu li um livro chamado O Mundo de Sofia, e aprendi o que era a filosofia. Descobri que eu não era o único a pensar sobre aquilo que não tem resposta, e que a Bíblia não era a única fonte possível de conhecimento.
Não demorou muito para eu deixar de ir à igreja, começar a beber, perder a virgindade, experimentar drogas, ir a shows de rock e cursar Filosofia na Unicamp. (não necessariamente nessa ordem).
Até hoje nunca cheguei a negar Deus. Nunca me considerei um ateu. Prefiro me classificar como agnóstico. Mas não acredito naquele mesmo Deus que acreditava antes. Meu conceito de Deus é aquele a partir do qual tudo surgiu, e que sem ele nada pode existir. Uma concepção bem aristotélica, diga-se de passagem.
Memo assim, ainda guardo com carinho na memória as histórias do fascinate Deus dos judeus, um Deus guerreiro, ciumento, justo e vingativo, que inspira medo e respeito. Eu o considero um brilhante personagem literário (quem já leu o antigo testamento ou o evangelho segundo jesus cristo, do José Saramago, sabe do que estou dizendo), verdadeiramente fascinante, e frequentemente faço uso de sua figura, em busca de uma explicação mais teatral para a realidade. Mas eu concordo com todos os pontos colocados pelo João e o Harry nos comentários ao meu post anterior.
Rubem Alves escreveu algo que me fez pensar um bocado: "um Deus que cria uma câmara de tortura chamada Inferno não merece o meu respeito, muito menos o meu amor".
Fóda.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
sobre Deus, eduardo coutinho e a esposa do ricardo
Regressando de merecidas férias em Boa Esperança - MG, fui diretamente para o Cine Paradiso vidiar a última traquinagem de Eduardo Coutinho, Jogo de Cena. Ótimo filme. Em certa altura de projeção, uma das mulheres entrevistadas - após relatar a morte do filho de 19 anos - diz que Deus havia feito uma maldade com ela. Uma maldade muito grande. Após muitos meses ela conseguiu superar a perda, mas ela não conseguia perdoar Deus por ter levado seu filho. Para ela, aquilo não estava certo.
Retornando para casa naquela noite, me encontrei com meu velho amigo Ricardo, no ônibus, um pouco antes do ponto onde eu iria descer. Conheci o Ricardo na quarta série, estudamos juntos. Era um moleque encapetado. Seu pai tinha um ferro velho no terreno da casa da família, e a turminha da escola o chamava de Ricardo Fidido. Por causa do seu trabalho, ia sempre muito sujo pra escola. Uma vez, ele e o Ederson escreveram um tosco bilhetinho de amor, usando a assinatura da Paulinha, e colocaram no meu estojo. Por causa daquele bilhete, passei os 5 anos seguintes estupidamente apaixonado por uma baixinha que nunca gostou de mim (brincar com os sentimentos de crianças tímidas e sensíveis é algo muito sério). Acho que foi na oitava série que a família do Ricardo foi pra Igreja Universal, o que fez com que tudo mudasse, tipo como naqueles programas do fala que eu te escuto. A partir daí, o Ricardo se tornou um amigo muito melhor.
Sempre gostei muito dele. A pouco mais de um ano ele apareceu em casa, contou que era sócio em uma oficina mecânica, tinha ótimos planos para futuros negócios, e iria se casar. Infelizmente não pude comparecer na cerimônia, mas estava feliz pela felicidade de um amigo.
De volta ao ônibus: Nós iríamos descer no mesmo ponto. Eu disse que estava voltando do cinema, e ele disse que voltava da igreja. Eu disse que tinha viajado pra Minas, e ele disse que não havia viajado, não teve cabeça pra isso agora que sua esposa falecera. Eu engoli em seco. Era dia 02 de janeiro, e sua mulher tinha morrido a 3 dias. Estava internada há mais de um mês, com uma doença que não tive coragem de perguntar. Ele me disse que não estava mais com a oficina, houve uma briga entre os sócios. Tinha arrumado um outro emprego, mas, por ter ficado ao lado de sua companheira em seus últimos dias, faltou demais e foi despedido naquele mesmo 02 de janeiro. Dei meus pêsames, disse pra ele passar em casa quando quisesse, e me despedi com um nó na garganta.
Há dias em que eu fico muito triste. Dias como hoje. Me sinto muito sozinho. Mas meus problemas são ridículos quando comparados a alguém que lidou com a morte da mulher que ama. Imagino que o Ricardo tem perguntado incessantemente a Deus o porquê. Porque matar sua esposa desta forma, no ano novo, no início do casamento? E aposto $10 dólares como Deus se mantém caladinho, enquanto o cara sofre, esperando por respostas que nunca virão.
Esse Deus cristão ocidental não existe. A vida é fragil e fugaz. Todos vão inevitavelmente morrer, incluindo as pessoas que você mais ama. Essas são verdades tão óbvias que eu me impressiono de ficar tão comovido com esse tipo de situação.
Mas acho que isso faz parte do Drama Humano.
Retornando para casa naquela noite, me encontrei com meu velho amigo Ricardo, no ônibus, um pouco antes do ponto onde eu iria descer. Conheci o Ricardo na quarta série, estudamos juntos. Era um moleque encapetado. Seu pai tinha um ferro velho no terreno da casa da família, e a turminha da escola o chamava de Ricardo Fidido. Por causa do seu trabalho, ia sempre muito sujo pra escola. Uma vez, ele e o Ederson escreveram um tosco bilhetinho de amor, usando a assinatura da Paulinha, e colocaram no meu estojo. Por causa daquele bilhete, passei os 5 anos seguintes estupidamente apaixonado por uma baixinha que nunca gostou de mim (brincar com os sentimentos de crianças tímidas e sensíveis é algo muito sério). Acho que foi na oitava série que a família do Ricardo foi pra Igreja Universal, o que fez com que tudo mudasse, tipo como naqueles programas do fala que eu te escuto. A partir daí, o Ricardo se tornou um amigo muito melhor.
Sempre gostei muito dele. A pouco mais de um ano ele apareceu em casa, contou que era sócio em uma oficina mecânica, tinha ótimos planos para futuros negócios, e iria se casar. Infelizmente não pude comparecer na cerimônia, mas estava feliz pela felicidade de um amigo.
De volta ao ônibus: Nós iríamos descer no mesmo ponto. Eu disse que estava voltando do cinema, e ele disse que voltava da igreja. Eu disse que tinha viajado pra Minas, e ele disse que não havia viajado, não teve cabeça pra isso agora que sua esposa falecera. Eu engoli em seco. Era dia 02 de janeiro, e sua mulher tinha morrido a 3 dias. Estava internada há mais de um mês, com uma doença que não tive coragem de perguntar. Ele me disse que não estava mais com a oficina, houve uma briga entre os sócios. Tinha arrumado um outro emprego, mas, por ter ficado ao lado de sua companheira em seus últimos dias, faltou demais e foi despedido naquele mesmo 02 de janeiro. Dei meus pêsames, disse pra ele passar em casa quando quisesse, e me despedi com um nó na garganta.
Há dias em que eu fico muito triste. Dias como hoje. Me sinto muito sozinho. Mas meus problemas são ridículos quando comparados a alguém que lidou com a morte da mulher que ama. Imagino que o Ricardo tem perguntado incessantemente a Deus o porquê. Porque matar sua esposa desta forma, no ano novo, no início do casamento? E aposto $10 dólares como Deus se mantém caladinho, enquanto o cara sofre, esperando por respostas que nunca virão.
Esse Deus cristão ocidental não existe. A vida é fragil e fugaz. Todos vão inevitavelmente morrer, incluindo as pessoas que você mais ama. Essas são verdades tão óbvias que eu me impressiono de ficar tão comovido com esse tipo de situação.
Mas acho que isso faz parte do Drama Humano.
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