Hoje é segunda feira, dia seis de outubro. Durante os primeiros anos de minha vida, nesta época do ano, a ansiedade tomava conta de mim, e eu contava os minutos para o doze de outubro chegar. O dia das crianças era sinônimo de presentes e casa da vovó (hoje esta data não possui significado algum). A casa da vovó era o Diego, o Douglas, a Francielle, a Jéssica, o Mateus, o Vinícius e o Jefferson. Era o tio Gê, a tia Célia, a tia Leila, o Birola (que foi preso), a tia Luzia, o tio Deoclécio, o tio Paulo, a tia Lúcia, o papai, a mamãe, a vovó Nêga e o vovô João. Meu pai um dia me contou uma história da época em que ele namorava minha mãe. Ele deveria ter a minha idade. Segundo ele, uma noite os dois saíram juntos, e meu pai não tinha comunicado aos meus avós que iria estar fora. Chegou muito tarde, e o meu avô estava à sua espera, juntamente com sua raiva prestes a entrar em ebulição. Se não me falha a memória, estava bêbado. Naquela noite, mesmo sendo um adulto, meu pai apanhou. "E eu não levantei um dedo. Porque ele é meu pai. E eu amo meu pai", foi o que ele me disse. Meu avô era um homem longe de ser perfeito, mas era um homem de verdade. E meu pai sempre o amou.
Estou no meu quarto, ouvindo o 4 do Los Hermanos. Peguei alguns álbuns de fotografia pra ver. Estou vendo uma fotografia onde eu sou apenas um bebê. Estou pálido, nem cor eu tenho. Tem uma da mamãe bem jovem e grávida, e o papai com bigodinho de malandro. Pôxa, minha mãe era uma moça bonita mesmo. Todos fazem pose para as fotos comigo. Eu sou o bebê-sucesso. Agora eu estou sendo batizado por um padre barbudo. William: Católico dos 0 aos 7 anos. Protestante dos 8 aos 18. E um Agnóstico safado dos 19 aos 23. Porque é que os pais sempre tiram fotos de seus filhos pelados? Bem, ficar peladinho em 1985 era bonitinho. Se fizer isso hoje, vão te chamar de pedófilo. Este mundo está doente, perdeu a inocência. Caramba, a vovó Áurea parece tão cansada em todas essas fotos. Tanto o papai quanto o tio Chiquinho ostentam grossos bigodes, e eu uso o meu bonézinho branco pra passear no Jardim do Lago. É perto da casa da Carol, pena que nessa época nós não éramos amiguinhos. Será que eu tinha uma bunda grande ou isso é somente a fralda? Nessa daqui eu estou dando um beijinho no neném Jefferson, mas no fundo eu tinha muito ciúme dele. Acho que fui um mal menino. E um mal irmão. Talvez ainda seja um mal irmão.
Quanto mais eu avanço no álbum, mais devagar eu observo. Quanto mais eu olho, mais cortantes são as lembranças. Cada nova página pesa mais que a anterior, e esses instantâneos que traem a fugacidde da vida cutucam meus desbotados fragmentos de memórias, desenterram apertos no peito que talvez eu não quisesse voltar a sentir. Me ver em 1990 me deixa no limiar das lágrimas, e sei que essa melancolia é própria do humano, essa raça que compartilha da nostalgia do ontem. Afinal, o passado é sempre mais doce, alegre e colorido do que o embolorado presente.
O vovô João era um homem austero. A mamãe diz que, depois do derrame, ele se tornou um homem muito melhor. Mais tolerante e amoroso, sempre preocupado com os netos, fumando sossegadamente o seu cigarro de palha. Sempre que fala dele, meu pai precisa limpar as lágrimas, a saudade é quase palpável. É a impermanência. Sempre a implacável impermanência. Logo serei eu a ter filhos, e será sobre o meu pai que irei falar. Quando meu pai estiver morto, contarei suas façanhas mais incríveis aos meus filhos, quem sabe com lágrimas nos olhos, numa tentativa vã de ceder o inabalável, flexionar o implacável, amenizar o inelutável.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
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