sexta-feira, 13 de junho de 2008

relembrando crimes e pecados, de woody allen


"O fato único que ocorreu com os primeiros israelitas é que eles conceberam um Deus que ama. Ele ama, mas ao mesmo tempo exige um comportamento moral. E aí está o paradoxo. Qual é a primeira coisa que esse Deus pede? Esse Deus pede a Abraão que sacrifique seu único filho, seu bem-amado filho. Ou seja, apesar de milênios de tentativas, ainda não logramos criar a imagem de um Deus amoroso e benévolo. Isto está além da nossa capacidade de imaginação. "


-lsolado da festa? É como eu.
-Sempre fico triste nestas ocasiões.
-Parece imerso em pensamentos.
-Planejava o assassinato perfeito.
-Roteiro para um filme?
-Filme?
-É. Foi o que o Ben me disse, que você faz filmes.
-É, mas não desse tipo. De outro tipo.
-Tenho uma ótima história de assassinato.
-É?
-Um grande roteiro. Acho que bebi demais. Desculpe, vou deixá-lo sozinho.
-Não, tudo bem. Não estou fazendo nada.
-Mas minha história de assassinato tem um estranho desenlace. lmagine este homem muito bem-sucedido. Ele tem tudo. E após cometer esse ato horrível, ele começa a ser perseguido por uma culpa profunda. Ecos de sua educação religiosa, que ele sempre rejeitou,começam a surgir. Ele ouve a voz do pai, imagina que Deus vigia todos os seus passos. De repente, o Universo não é mais vazio... Ele é justo e tem uma moral. E ele a violou. Agora, ele está apavorado, está no limiar de um colapso nervoso, perto de confessar tudo para a polícia. Então, um dia, ele acorda. O sol está brilhando e sua família está ao seu redor. Misteriosamente, a crise desapareceu. Ele leva a família para a Europa, e descobre, com o tempo, que não foi castigado. Ao contrário, prospera. O crime é atribuído a outro, um vagabundo que já matou outras pessoas. Uma a mais não importa. Agora, ele está livre. Sua vida volta completamente ao normal, ao seu mundo seguro de riquezas e privilégios.
-É, mas ele pode mesmo voltar ao que era?
-Bem, as pessoas carregam seus pecados consigo. Às vezes, o que fez o atormenta, mas passa. E com o tempo, tudo acaba.
-Mas, então, suas piores crenças se realizam.
-Bem, avisei que era uma história mórbida.
-Não sei. Acho que seria difícil alguém viver com isso. Poucas pessoas poderiam viver com isso na consciência.
-Muitos carregam erros terríveis consigo. O que queria que ele fizesse? Que se entregasse? lsso é a realidade. Na realidade, racionalizamos. Nós negamos. Senão, como continuar vivendo?
-lsto é o que eu faria. Faria com que se entregasse. Assim, a sua história tomaria proporções trágicas, porque, na ausência de Deus, ele tem de assumir a responsabilidade. Aí, você tem a tragédia.
-Mas isso é ficção. É cinema. Vê filmes demais. Estou falando da realidade. Se quer um final feliz, vá ver um filme de Hollywood...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

sobre sozinhez

Há vinte e cinco anos, meus pais estavam prestes a casar. Minha mãe era a mesma baixinha sorridente de hoje, mas meu pai era um pouco mais magro. Um dia, ele deu um urso de pelúcia de presente para minha mãe. No noivado. Eu nasci uns anos depois, e me apeguei ao ursinho. Tenho 23 anos. Não houve um dia sequer, em todos esses anos em que eu dormi em casa, em que eu não dormisse abraçado ao ursinho. Quando eu era pequeno eu tinha medo, pois achava que se eu não dormisse com ele ao meu lado, de madrugada ele iria até a minha cama e me mataria degolado. Mas enfim o medo se foi, e o hábito falou mais alto.

"Quando algum dia a idade vier e o tempo passar, quem terá ciúmes, quem vai se preocupar? Estar ao lado pra me agasalhar? Quando à tardinha o sol cair, quem fará melhor?" É isso que se passa pela cabeça de milhões de pessoas em todo o mundo. E se não passa, um dia já passou. E se não, um dia passará. É empiricamente incontestável. Isso porque a figura do Lobo Solitário é bem atraente, bastante cool. Mas a verdade é que é triste ser um homem só.

Sexta feira passada eu fui abatido por uma tristeza terrível. Aparentemente sem motivo. Solução?: Cinema. Fui ver Sex And The City. Foi a melhor opção pra levantar o moral. Só haviam mulheres e homens gays na sala, talvez porque seja realmente um filme pra bichas e mulherzinhas. Mas como eu me diverti horrores! Acho muito divertido aflorar essa minha parte mulher, que, diferente daquilo que milhões de machistas hipócritas dizem, não é nem um pouco lésbica.

Enfim, o que quero dizer é que Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda são novaiorquinas divertidas, abusadas, fabulosas, independentes, maravilhosas e blábláblá. Mas foi um alívio o filme ter chegado ao fim, porque eu não suportava mais tanta futilidade. Dinheiro, roupas de grife, restaurantes caros, bolsas de grife, jóias e toda essa artificialidade, puta merda, uma hora começa a dar nojo! Tudo é magnificamente chique e glamuroso. Mas a overdose de luxo foi tanta, que eu senti falta de ver um apartamento velho cheio de roupas espalhadas. De uma livraria. De uma pequena loja de discos. Em resumo, da novaiorquice do Woody Allen.

E esse é o ponto: mesma cidade, diferentes perspectivas.
Há muita gente no mundo. Cada um com seu modo de vida.
O meu modo de vida é bem diferente da maioria.
E certamente eu nunca sairia com as garotas do Sex and the city. Elas fatalmente me achariam um saco e, em contrapartida, a futilidade delas iria me irritar muito. Ser um homem só, neste caso, seria uma acertada escolha deliberada. Afinal, há sempre a esperança de achar o m&m vermelho em época de promoção.

Bem, este é o primeiro doze de junho em que eu não estarei sozinho. Agradeço à Bruna, por sua paciência. Hoje vamos ver o novo filme do velho Woody, e essa é uma prova irrefutável de que tanto eu quanto ela sabemos muito bem fazer nossas escolhas.

E meu ursinho continua muito feliz com a minha companhia.

situações edipianas

Eu tinha quanto, einh? Uns seis, sete anos. Íamos praticamente todo domingo pra casa da vovó. Enquanto os adultos conversavam, a criançada ia brincar. O que eu mais gostava de fazer naquelas tardes bucólicas, depois de ver o Van Damme ou o Indiana Jones na temperatura máxima, era caçar pedras para incrementar a minha já numerosa coleção de pedras. Às vezes eu ia procurar cacareco lá pra baixo da roça do vô João, pra montar invenções. E também me lembro de uma época em que eu ia colher flores. Ou melhor, apanhar mato. Manja um mato que dá uma flor comprida e fina, meio rosa, que faz cócegas se vc passar na nuca? Então, eu me lembro de ir com meu primo Diego, ou com o meu irmão, apanhar essas flores de capim, lá pra cima do campinho. Quando já tinhamos algo parecido com um ramalhete, íamos pra casa da vovó. Lá, eu dizia "Mamãe, é pra você. Casa comigo?" Ela aceitava a flor, rindo, e dizia que ela me amava, mas que já era a minha mãe. Eu insistia na proposta. Ela dizia que quando eu crescesce e fosse um homem, ela já estaria velha. Eu então dizia "não tem problema, eu caso com você, mesmo que você for velhinha". E então, rindo, ela explicava que já era casada com o papai, e, com um beijo, encerrava o assunto.
Meu pai. Naqueles momentos de confusa frustração amorosa, ele era o único ser a se colocar entre eu e minha mãe. Meu desejo era que ele morresse. Queria matá-lo.

Eu era apenas uma criança.
Mas já estava em condições de compreender Sófocles e Freud.